OBALELÊ E
OS SUPERBACANAS
No meio da noite sexo espontâneo.
Não, nunca, jamais. Obalelê se culpava de seu casamento. Ainda na noite de
núpcias. Sua cabeça latejava de dor. Entretanto. Seu homem não a perdoava.
Fingia que não ouvia seus ais. Continuou a solfejar seu pênis dentro dela.
Aquilo lhe era interminável. Ela gemia baixinho. O prazer à mão, o utilizável,
não é sinal de amor. Obalelê conteve o vômito. Fingiu ardores de cópula. Até
que Mundaréu gozou dentro dela. Então ela se afastou lentamente dele e foi
vomitar no banheiro. Um cheiro acre a invadiu. Ela sentiu-se abrigada ao fundo
de asas de baratas. Um circular completo de anjos negros imperava nela. Um nojo
de tudo que existe. Depois foi se ajoelhando. Tonturas e lonjuras. Obalelê nua
abraçou-se ao seu vestido de noiva que estava dependurado ali. Depois desmaiou
para sempre. Pelo menos pareceu para ela que sim. Nas horas que se passaram. Ao
acordar sozinha, jogada no chão do banheiro, enquanto Mundaréu dormia sem ao
menos ter dado falta dela. Dois anos antes. Quando havia felicidade no que
Obalelê planejava. Isso foi antes de se casar com Mundaréu. A alegria de viver
nasce no inteiro refletir de si mesmo nas folhas de zinco que cobrem a favela
do existir. Esta alegria é como uma amêndoa que libertamos da casca de uma
fruta inenarrável. O resvalar de centenas de ombros e braços, em círculo amigo.
Será começo de algo que terá seu fim para depois seguir para ser começo
novamente, e depois outra vez o fim, de algo especialmente bom? Obalelê segue
pela rua da feira. Seus poros deixam-se inundar na alegria de uma manhã
contagiante. Além de seu deslumbramento único, ao apregoarem a venda de frutas
e legumes, enquanto os seres humanos se debatem em ofertas inadiáveis, no
avulso da compra ou na venda do amor, assemelham à Obalelê, que não se diferenciam
do comércio miúdo de uma feira livre. “Todas as pessoas têm direito de omitir
sua opinião. Este é o arbítrio de cada um, mas não vejo motivo para me envolver
em querelas alheias”, isto pensou Obalelê enquanto observava um soldado amarelo
abordando um menino negro no meio da feira. Aquela agressão gratuita, apenas
pelo motivo deste haver gritado impropérios referentes à notícia do Papa recém
empossado. “Contudo, quem é o Papa para motivar se um menino negro deve ser
preso ou não?”, continuou pensando ela, ao mesmo tempo em que pedia um pastel
para a atendente na barraca de frituras. Entretanto. Não era para ser daquela
maneira. Sua indecisão lhe coube inexplicável. Iria ou não se entregar para seu
psicanalista, o Dr. Dagoberto? Suas pernas tremiam. Ela estava naquele banheiro
de motel. Obalelê tinha vontade de fugir dali. Seu corpo não obedecia, contudo,
ao seu desejo de fuga. Com sua demora para sair do banheiro ela imagina que Dr.
Dagoberto esteja preocupado, então ela retorna para o quarto. No entanto Dr.
Dagoberto dorme profundamente. Obalelê toma a decisão categórica de fugir dali.
Veste suas roupas, penteia-se como pode, abre a porta do quarto daquele motel e
vai embora. “Vai querer pastel de carne ou de queijo?”, a atendente naquela
barraca de feira lhe pergunta. Obalelê
não responde. Ela muda seu pensamento para um outro relacionamento que teve com
um homem casado. Cirius era um quarentão que vinha a seu apartamento para lamentar o
final de seu relacionamento com sua legitima esposa. Sempre deprimido, Cirius
espichava-se no sofá, com a cabeça no colo de Obalelê, enquanto ela via um
filme na seção da tarde. Cirius segredou para Obalelê que conheceu sua legítima
esposa durante uma festa de noivado de seu melhor amigo. Esta festa acontecia
numa bela casa de campo cercada pela mata atlântica. Cirius disse que, naquela ocasião, fizera amor de pé com sua futura esposa. “Apenas esta
única vez fizemos amor”, ele lamentava para Obalelê, “no entanto desse esperma
abandonado às coxas dela, nasceu nosso único filho”. Cirius chorava e Obalelê
desligou o filme que passava na TV para acariciar seu cabelo. Depois ele foi
embora e nunca mais se viram. “Vai querer pastel de carne ou de queijo?”, a
atendente naquela barraca de feira ainda lhe pergunta. Ela faz um sinal para
que a atendente esperasse. Pois naquele exato momento uma sucessão de
lembranças a assaltava. Nessas lembranças desfilavam os homens que passaram por
sua vida. Eram homens delicados. Atenciosos. Superbacanas. Como no caso do
comerciante de vinhos, o Brasílio, que teve com ela um brevíssimo namoro, quase
nada, entretanto bem marcante, quando ele a levou a um cinema, e ali lhe
proporcionou prazer ao roçar sua calcinha, na maciez suplicante de seu púbis,
com os dedos de um refinado tarado. Um acinte carinhoso tão ardente que ela gozou
copiosamente nos dedos de Brasílio. Depois foram para um banco de praça onde
Brasílio lhe contou que tinha uma bala alojada em sua própria cabeça: “é algo
que carrego como um aviso de que a vida é mesmo breve”. Brasílio nunca mais se
encontrou com ela. As vezes Obalelê se punha a pensar no namoro dentro do
cinema e de quão íntima ficou de uma pessoa que convivia com um projétil dentro
da própria cabeça. “Vai querer pastel de carne ou de queijo?”, a atendente
naquela barraca de feira insiste em lhe perguntar. Obalelê está absorta. Agora
ela está lembrando de si mesma nos braços de Macieiro, que conhecera num grupo
de amigos quando alugaram uma bela casa de verão em Parati. Macieiro era um
editor bem sucedido que estivera casado com uma francesa, com quem tivera uma
relação sólida e bem sucedida, além de uma adorável filha de cinco anos.
Obalelê nesta ocasião não fez amor com Macieiro, isto porque ele alegou estar
com uma doença venérea contraída em Salvador, a qual lhe deixou temporariamente
impotente. Mas conversaram muito enquanto flertavam pelos locais históricos
de Parati, de mãos dadas e até, de quando em quando, trocavam inocentes
beijinhos. Obalelê ficou apaixonada pelas maneiras viris com que Macieiro
resolvia qualquer problema. Inclusive quando este tirou do bolso o próprio
lenço para acudir uma criança que passava com o muco escorrendo pela face.
Obalelê mais uma vez divagava enquanto a moça lhe oferecia pastéis. Desta vez
ela lembrou de seu marido Mundaréu. Seu esposo estava dormindo no quarto de
hotel e ela estava na feira esperando por um pastel. “Vai querer pastel de
carne ou de queijo?”, a atendente daquela barraca de feira insiste em perguntar.
Obalelê olha para a atendente e sorri. Faz um sinal com a mão de que não quer
nenhum dos dois e ruma de volta para o hotel onde Mundaréu dorme.
Beto Palaio
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