TODOS PONDERANDO NUM
INGLÊS FLUENTE
Depois de tudo. Então eu assisti um pouco de
televisão. Os advogados defendiam um criminoso com argumentos especialmente
complicados. Ambos ponderavam num inglês fluente. Tudo parecia longe, em
seguida, ao fungar de narinas, luzes apagadas. Uma procissão de faces
conhecidas. Poderia jurar que elas eram reais. Lindas bonecas misturadas com
rostos conhecidos da mídia falada, escrita e televisada. Depois do ocorrido, de
qualquer forma, eu devo ter tido, na época, uma noção errada do que via, tipo
rebates mentirosos, como uma centena de notas falsas, nas prateleiras,
armários, aqui e ali, no chão, ou sobre a cama. Em síntese. Foi um rude
despertar. Na manhã seguinte o sol já ia alto, para dizer o mínimo. Começou a
reverberar pela casa o som estridente da campainha. Mal vesti meu roupão e
desci rapidamente as escadas.
- OMG morreu...
Isto dito por uma mulher de meia-idade,
vestida de luxo, pintada ao estremo, ridícula enfim, a minha mãe:
- Mãe... Não poderia ter ligado para
mim?
- Não pude meu filho, o OMG ainda está
na cama, todo ensanguentado, lá na minha casa, mal tive tempo de me arrumar e
vir aqui...
- Você não fez nenhuma besteira, né
mãe?
Disse isto já imaginando a cena com
minha mãe desferindo punhaladas fatídicas no peito e adjacências de OMG.
- Eu não mataria nem uma mosca... Como
é que faria isto com o OMG?
Ela afirmou de forma lúcida.
Absolutamente honesta. Isentando-se. Como que preferindo ir imediatamente à
manicure, ao invés de me acompanhar até sua casa. Aliás, foi o que a minha mãe fez:
- Como, mamãe? Você tem coragem de ir à
manicure tendo o OMG deitado morto em sua cama?
- Sim... Tenho que relaxar um pouco...
Senão sou eu quem vai para o caixão junto com o OMG...
Fui então sozinho à casa de minha mãe.
Quis aquilatar os estragos antes de avisar as autoridades locais. E o que vi me
chocou profundamente. Isto logo de cara, quando abri o quarto de dormir de
mamãe e deparei com aquela cena. Os lençóis amarfanhados. Travesseiros jogados
ao chão. Um dos abajures tombado para a esquerda da porta de quem entra,
enquanto o outro abajur estava tombado para a direita da mesma porta de acesso.
Soma-se a tudo isto que um imenso quadro na cabeceira da cama estava também
torto, completamente fora do lugar. No mais tudo estava em ordem. Inclusive
nenhum corpo havia ali, nenhum traço de sangue: nada vezes nada!
- A minha mãe endoidou?... Cadê o corpo
do OMG?
Não encontrando similar nos anais do
crime. Tudo o que se aquilata. Sobremaneira num conto de encurtados propósitos.
Quis de viva voz saber o que OMG tinha a ver com a balbúrdia deixada no quarto
de minha mãe. Então me dirigi para o estúdio da estação local de rádio, onde
encontrei OMG belo e faceiro enquanto desfilava ao microfone seus poemas e
canções preferidas. Ele liderava a audiência das dez horas da manhã quando
emprestava sua bela voz de barítono ao apresentar sucessos chinfrins da jovem
guarda, bem como picles musicais bregas dos anos setenta. Tudo nos conformes do
bom entretenimento. Até que OMG me viu por detrás da redoma de vidro que o
protegia de curiosos e também dos técnicos da estação de rádio. Ele se assustou
vivamente quando me viu ali:
- Ô, garoto... Vejo que está
transtornado assim como eu...
- Você transtornado?
Perguntei asperamente para OMG enquanto
aguardava explicações:
- A sua mãe veio a óbito... Isto é,
faleceu mesmo...
- Heim?
- Sim... Já avisei as autoridades...
Ela estava de fato bastante péssima na noite passada... Eu lamento ter de
apresentar este programa em meio a tal gravidade... Mas depois veremos...
Estando livre daqui vou ver o que posso fazer...
Desci as escadarias da rádio bastante
transtornado, até que o porteiro do prédio me avistou e me chamou num canto:
- O que faz aqui menino?
- Vim falar com o OMG...
- Falar com ele?... Isto é
impossível...
- O que quer dizer com isto?
- Tanto o OMG como sua mãe faleceram
ontem à tarde num acidente de carro... Isto todo mundo já sabe... Você não
sabia?
Beto Palaio
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