ELIETE
Eliete tinha treze anos.
Morava no apartamento em frente ao meu. Eu acabara de me mudar, vinha de outra
cidade, não conhecia ninguém. Ela tinha três irmãos, todos começavam com a letra E: Elizabeth, Edson, Elenice. Achava tudo muito interessante, com
nove anos de idade eu ainda não tinha visto muitas coisas no mundo. E ela era
tão suave. Ficava horas conversando comigo, brincávamos eu, ela e seu irmão
Edson que tinha a minha idade. Diziam que ele gostava de mim.
Jogávamos baralho e
brincávamos com as palavras num jogo que se chamava STOP. Era um jogo de
memória em que devíamos lembrar palavras com uma das letras do abecedário dita
por um dos participantes mentalmente. Um outro jogador, então, dizia “stop” e
assim a letra era revelada em voz alta. Todos escreviam rapidamente as palavras
que se lembravam, quem terminasse primeiro gritava novamente STOP. Depois,
contávamos os pontos. As palavras eram divididas em categorias na folha de
papel de cada um: nomes, profissão, marcas de carro, marcas de cigarro, filmes,
novelas, times de futebol, animais, flores, frutas e o que mais quiséssemos
colocar ali. O mundo adulto começava a fixar-se em nossas lembranças. O
Capitalismo e suas garras apresentavam-se na construção do nosso imaginário –
marcas de carros e cigarros nos faziam entrar nesse mundo onde o charme está
ligado ao poder de compra. Crianças mergulhando no abismo.
De onde eu vinha, não
podia brincar fora de casa. Avenidas, carros, ladrões e medo espalhavam-se nas
ruas, árvores e praças. Estava em todo lugar e até mesmo no ar. A respiração
era muito difícil. A asma chegava de repente dominando meus pulmões, uma
simples risada que precisasse de um pouco mais de fôlego podia ser fatal. Por
isso nos mudamos, claro que havia outros motivos, mas para mim esse era o mais
importante. Agora eu teria ar! E junto com a possibilidade de respirar vieram
os novos amigos. Eliete era doce e alegre. Tornou-se minha grande companheira e
dizíamos sempre isso uma à outra. Saboreava um orgulho imenso: minha melhor
amiga era quatro anos mais velha que eu! Quase nem acreditava. Ela me contava
segredos: seu primeiro namorado, o primeiro beijo. E os sonhos surgiam em mim
completamente diferentes dos pesadelos de antes.
Durou pouco minha nova vida,
seis meses depois, eu e minha família voltávamos para a mesma cidade de onde
tínhamos vindo. Meu pai não conseguira emprego e a única solução era deixar o
paraíso. O meu paraíso. A despedida foi extremamente triste. Juramos nos
escrever para sempre, nos encontrar depois de adultas. Chorei copiosamente
durante as seis de horas de viagem de carro. Acho que consegui dormir um pouco
entre tantas lágrimas, mas a solidão estava de volta. Chorei no meu lugar,
longe do mundo dos adultos, longe de irmãos e pais. As vidas em minha casa não
se misturavam. Substâncias totalmente insolúveis.
Eliete escreveu algumas
cartas. Edson também. Por pouco tempo. Brincadeiras e risadas não são a mesma
coisa no papel. O papel das palavras em minha vida, no entanto, nunca mais foi
o mesmo depois de Eliete.
TANIA AMARES
Arte:
Lu Cong - 2009
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