O AMOR, JÁ DE SI, É
PÁSSARO DE FOGO
Por onde você mora. Ao subir as poucas escadas
do alpendre. Só então. Abre uma porta. Atravessa o tapete da sala. Balbucia uma
opinião sobre uma conversa que ouviu ao passar por ali. O amor, já de si, é uma
forma de alcova. Dançando na água. No pátio havia o tamborilar da chuva, visto
pelo reflexo de uma lâmpada de mercúrio, o prometido novo mundo, num ir e vir,
na alusão de palácios japoneses, onde pássaros de fogo refrescam-se. No oco de
coisa nenhuma. Muitas cores não se deixam enxergar. Tal ninféias. São lindas de
imaginar. Sacrifícios que se alteiam. O amor, já de si, é uma forma de tênues
bordados na margem de um lenço que é agitado numa despedida inadiável. Ela
perdeu o caminho do bom senso. Entrega-se como se fosse uma viúva alegre. Vinha
ela pelo amanhã do viver avulso. Lá se encontrava uma terça-feira quase
entregando os pontos para o nascer de uma quarta-feira. No discreto da hora. A
rua vadia. Quando ela sentiu a umidade do esperma de seu amante por entre as
pernas que se moviam apressadas. Latências. Escorrimentos. Correição. Catarse.
Minutos que correm em direção à meia-noite. O amor, já de si, é uma forma de tardio
arrependimento que nunca promove uma pessoa prudente ao patamar dos
inolvidáveis. Um boato quase teatral. Ela deixou a porta do quarto aberta. Seu
homem dormia. Ela pensou no filho e na filha que ficaram em casa com o marido.
Não se arrependia. Sabia que a liberdade que estava conseguindo era algo que
lutara para alcançar. Arduamente. O jogo de fingimentos. Um casamento jogado no
lixo. A chuva no quintal. As roseiras entregavam suas pétalas para a terra. Um
fedor de terra molhada. Ao bicho imundo de sentir-se uma esposa infiel. O amor,
já de si, é mais que um momento lindo. Qual criaturas ricas sorvendo o néctar
de uma liberdade perfumada dentre maresias de ofertas tropicais. O amor, nessas
circunstâncias, é temporal, é sacrifício, é um ponderar sem tréguas, é também uma
forma de alheamento. Ela ouviu um surdo trovão. Contava seus passos. E foram
muitos. Naquele chão de ir embora. Lendas de nunca voltar para trás. Beijos de
soslaio. Agora tudo o que havia de tédio nela se ausentava quando se divertia
bons folguedos na casa do seu namorado. Ela agora regressava como que dançando
na chuva. O amor, já de si, é uma forma de bailado. Ela sussurrou eu te amo.
Isso enquanto ele forcejava de gozar nela num coito anal. Ela pediu um beijo
com seu pescoço empinado. Trocaram salivas. Ele gozou copiosamente enquanto se
beijavam. Ela podia sentir a quentura do esperma adentrando os últimos redutos
de seus ocultos desejos onde se via arrancada do planeta pelo abraço musculoso
e perfumado daquele macho que promove o arrimo em sua única e adorada paixão. O
amor, já de si, é dúvida e desespero e calunia e difamação e remorso. O amor,
já de si, é um gesto de ordem. O amor, já de si, é uma fuga sem fim. O amor, já
de si, é uma encenação de novela mexicana. O amor, já de si, é pura alegria e
jovialidade. O amor, já de si, é essa afogueada mulher do mesmo modo voltando
para a casa do amado e se deixando despir com seus lábios sendo imediatamente
instigados a beijar o corpo dele que a aguardava já totalmente nu para entretê-la
aos limites do estupor sem arrependimentos sem disfarces sem abandonos sem
dúvida nenhuma.
Beto Palaio
Arte: Wallpaper de autoria desconhecida.
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