O
CRIME DO CASTIGO
Das dez coberturas da
derme. A juventude, a melhor das tendas, passa por fugaz. Um coicezinho. Palheta
ajeitada de banda. Passos em direção ao baile de sábado à noite. Umas costelas.
Esse aqui. Meio corpo, meio samba. Simplesmente. Comichões de fandango. Como
ele sentiu a aroeira. Seu cavalo encapotado de suor. Assim que despontou a lua
cheia. Tomou, no Icó, pinga sertaneja. Ciumeiras que se infestam. Todos os
ermos aculturados. Por enquanto isso.
- Cadê tudo o que se
promete aqui?
Nós fabricávamos
nossos ritos. Um disco dos Beatles. 1965. Todos eles, ingleses, vestidos de onça
negra. Na ponta da areia. Um desfile de penas de pato. O gorgulho de não ter
ouvido aquele disco. Um help nunca revelado. Num espichar do areão. Zureta. O
patrão ajeitava a calça depois da urina. Havia essa alagoana. Um rojão de linda.
Dentes de sorriso. Quem haveria de filmar isso? Um aquém de morena. Apetites.
Não puderam entrar na água os dois homens. Chapes. Na lagoa do banho dela. Vinha
a barra do dia se fartado de nunca nascer. Umas dobraduras de nuvens. A lagoa
parecia nem existir mais. Foi. Quando a luz invadiu. Generalidades. Morde aqui,
morde ali. E criava sombras.
-Assim não quero
não... Assim sem beijos nenhuns?
A manhã nasceu naquele
encontro dos dois homens com a alagoana. O amor não é nada até que se torna um
tormento. Ela quis. Aprender ofícios. Embora os dois somente pescassem. Traziam
peixes ao final de cada dia. Enquanto. Ela fazia da mandioca farinhas de cozer.
Do barro potes de conter. Da lenha cinzas de arrefecer. Tudo agora muito bem
explicado: Constãncia o nome dela. Os homens: um Darlindo, o outro Sebá. E os
dias nem se aformoseavam muito. Passavam esgrimidos. E se espichavam como num
varal de quarar lençóis. Sebá deu de cismar com cidade grande. Quase se sentia
um solteiro, amancebado com ninguém. Constãncia, por esses lapsos, tivera
quatro crianças. A alagoana deitava raízes na fadiga baiana. Simplesmente. Quando
Sebá cismou de ir. Sim. Ele foi. Naquele dia. Disseram pouca coisa um ao outro.
- Sebá, você disse
que tinha uma coisa ou duas para me contar... Como eu iria saber que você me
perturbaria com essa estória de se mudar de vez para São Paulo?
- Tãncia... Eu não
percebi... Foi acontecendo de eu ir embora... Eu te contei na semana passada,
não foi?
- Você me contou... Ah,
sim, você me contou que não queria meu amor nunca mais...
Tal. Quaresma sem
torresmo. O tempo de viver rodeava tudo com a mesma certeza. Naqueles quinze
dias depois que Sebá foi embora. Como num presságio. Darlindo cismou de sentir
falta de Sebá. Falava todas as noites quando ele e Constãncia se espichavam na
rede. Dizia que Sebá era como um irmão. Dizia que São Paulo era outro país:
“longe, mas com muito dinheiro”. E assim arrastou-se a vida naqueles ermos de
fabricar tigelas e potes. Mais um ano. Sem notícias de Sebá. Foi quando
Darlindo caiu de um mourão de cerca. Sua palidez ao chegar em casa. Tudo pedia
rezas e benzeduras. Darlindo piorou muito. Em três dias Darlindo morreu. No
enterro dele, Constãncia entregou suas rogativas para o padre vigário:
- Ajude-me, padre, se
você puder, estou me sentindo desacorçoada... Eu gostaria de ter o Sebá por
perto... Sei que é impossível... Ajude-me a colocar meus pés de volta ao chão...
Ambos eram, tanto no
tanto, moços ainda. Na força que cada um, de seu, possui. Beirando a casa dos
quarenta anos. O padre vigário. Barba por fazer. E Constãncia, ajeitando de
volta para as costas, sem pressa, seus cabelos um tanto longos. Depois olhou
sem um piscar sequer para o padre vigário. E ele não tirou os seus olhos dos
olhos dela. Longe o céu era de um azul profundo. Assim sendo. Com seus lábios
de arrebol. A vida continua a fritar seus alhos. Ao piar do calango, o cuco da
mata, souberam eles que a noite não tardaria a chegar.
Beto Palaio