junho 23, 2016

Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída. 
CLARICE LISPECTOR

junho 21, 2016

BOB DYLAN


Johnny's in the basement Mixing up the medicine I'm on the pavement Thinking about the government The man in the trench coat Badge out, laid off Says he's got a bad cough Wants to get it paid off Look out kid It's somethin' you did God knows when But you're doin' it again You better duck down the alley way Lookin' for a new friend The man in the coon-skin cap In the big pen Wants eleven dollar bills You only got ten Maggie comes fleet foot Face full of black soot Talkin' that the heat put Plants in the bed but The phone's tapped anyway Maggie says that many say They must bust in early May Orders from the D. A. Look out kid Don't matter what you did Walk on your tip toes Don't try "No Doz" Better stay away from those That carry around a fire hose Keep a clean nose Watch the plain clothes You don't need a weather man To know which way the wind blows Get sick, get well Hang around a ink well Ring bell, hard to tell If anything is goin' to sell Try hard, get barred Get back, write braille Get jailed, jump bail Join the army, if you fail Look out kid You're gonna get hit But users, cheaters Six-time losers Hang around the theaters Girl by the whirlpool Lookin' for a new fool Don't follow leaders Watch the parkin' meters Ah get born, keep warm Short pants, romance, learn to dance Get dressed, get blessed Try to be a success Please her, please him, buy gifts Don't steal, don't lift Twenty years of schoolin' And they put you on the day shift Look out kid They keep it all hid Better jump down a manhole Light yourself a candle Don't wear sandals Try to avoid the scandals Don't wanna be a bum You better chew gum The pump don't work' Cause the vandals took the handles

 

Subterranean Homesick Blues:  

junho 20, 2016

NABOKOV DE FLOR EM FLOR
Nabokov going from flower to flower


Vladimir Nabokov em 1929


Edição pertencente à V. N. do "The Butterfly Book"
This edition of The Butterfly Book belonged to V. N.


Vôo de borboleta nas notações de Nabokov para uma
palestra sobre o Ulisses de Joyce.
A real butterfly raid in the notes of Nabokov for a speech on Ulisses.
  

Notas de V. N. para Lolita.
Pode-se imaginar um itinerário de borboleta de Humbert Humbert,
pelos Estados Unidos, a cortejar sua flor Lolita. Aliás o nome duplo
Humbert Humbert pode até ser uma indicação (mera suposição) 
de que V. N. pensou no assunto, sugerindo com esse nome duplo
uma manifestação de asas. 
V. N. notes for Lolita.
We can imagine a butterfly raid troughout USA in the search of the
flower Lolita. Curious is the double name of Humbert Humbert that in
itself can indicate (only suposing) the wings of a butterfly.
  

Capa do livro para os textos inéditos de V. N.
Cover for an unpublished works of V. N.

(Pesquisas e tradução de Beto Palaio)

junho 19, 2016

It’s the Devil in me
É o demônio em mim.

(Al Sullivan)

I hate when Fran is happy.
Detesto quando Fran está feliz...

That’s why I fuck her once a week whether she wants me to or not.
Por isso eu a fodo uma vez por semana, quer ela queira ou não.

It drives her new boyfriend crazy since she can never say no.
Isto deixa maluco o seu novo namoradinho, já que ela nunca sabe dizer não.

This is not because I love Fran.
Faço isto não porque ame a Fran.

I love nobody, not even myself.
E eu não amo ninguém, incluindo a mim mesmo.

I just can’t keep from hurting other people.
Eu não consigo deixar de magoar outras pessoas.

Some jerks I grew up with beat the crap out of people.
Alguns idiotas com quem cresci conseguem azarar outras pessoas.

I fuck with people’s heads.
Eu só bagunço com a cabeça delas.

The more misery I cause in other folks, the less I feel inside myself.
Quanto mais tristeza eu cause aos outros, menos eu sinto dentro de mim.

Even then, I have to keep drinking to keep the ache away.
Mesmo que tenha de me manter bêbado para afastar de mim o perjúrio.

Even this doesn’t always work.
Mas, mesmo isto, as vezes não funciona,

And certainly not as well as it used to when I could drink enough to pass out.
Certamente não tanto quanto eu fazia naquele tempo em que bebia até cair. 

Now I drink and piss and never pass out.
I hardly even sleep.
Agora eu bebo e mijo, mas nunca caio. Inclusive raramente durmo.

This gives me too much time to think.
E isto me dá tempo para raciocinar.

And my thought are full of hate.
E meus pensamentos são recheados de ódio.

I keep thinking up new ways of torturing Fran and her new man.
Assim passo o tempo planejando como torturar Fran e seu novo homem.

I figure the more ways I come up with, the less pain I’ll feel, balancing out some cosmic injustice that has left me so unhappy over the years.
Eu antevejo que quanto mais eu invento métodos, menos dor eu sinto, equilibrando assim certas injustiças cósmicas que me fizeram tristes ao logo dos anos.

When I fuck Fran she sometimes calls out his name.
It pleases me to think she mike call out my name when she’s fucking him.
Quando eu trepo com Fran eventualmente ela chama pelo nome do outro. Me agrada pensar que talvez ela também chame por mim quando trepa com ele.

I know he wants to kill me, and he would, too, if he could find a way of doing it without losing Fran.
Eu sei que ele quer me trucidar, e faria isto, claro, se pudesse agir sem correr o risco de perder Fran.

Maybe someday, I’ll push him over the edge into doing it, torturing him enough so he can cease by pain and cause Fran to hate him forever.
Talvez um dia eu o forçe ao máximo para que ele complete o ato, torturando-o bastante para que ele me sufoque através da dor, com isto atingir Fran que o odiaria para sempre.

I can’t help all this.
It’s just the devil in me.
Não posso evitar nada disto, quem age é o demônio que está dentro de mim. 

Texto: Al Sullivan
Tradução: Beto Palaio
Desenho: Milton Glaser

junho 18, 2016

 
Catfish Aspirations
Desejos de um bagre

Barefoot, bare-chested, I stood in thick grass
Descalça e de peito nu permaneci na grama alta
around the edge of our pond while Daddy
na margem de nosso lago enquanto papai
strung fresh chicken liver on fishhooks
ajeitava o figado de galinha no anzol
and cast his line into the middle.
 depois jogava a linhada bem longe.

Up the hill, I filled a three-pound 
 Num elevado eu deixara um pesado
barn bucket with fish feed
balde cheio com quireras para peixe
so Daddy could lure the fish
assim papai poderia atraí-los 
from their muddy beds.
desde seus esconderijos na lama. 

He told me the catfish sleep
Ele me disse que o bagre dormia 
in the deepest darkest water,
no mais escuro ponto da água 
burrowed down in the muck.
 bem escondido dentro do lodo
“Daddy, I wish I was a catfish,” I said.
“Papai, eu queria ser um bagre”, eu disse.

I wanted to soak in the mud in water so murky
Eu queria sumir no meio da lama tão fundo 
I couldn’t see the large-mouth bass
que não veria aquela imensa boca 
pass an inch in front of my eyes
passar a um centímetro de meus olhos.

He baited my hook and let me cast the line out,
Ele ajeitou meu anzol e deixou que lançasse  
the liver flew off mid-flight
o pedaço de fígado que voou alto 
and I stood in tangles of fishing line,
enquanto fiquei agitando a linha de pesca,
thinking of hunkering down there forever,
pensando em me acomodar no fundo para sempre
wanting to be just like him.
querendo ser igual ao peixe.

Poema: Jessica Sampley
Tradução: Beto Palaio

junho 12, 2016



Pajé dá e tira vida. Para virar pajé, vai sozinho para a mata e amarra o corpo todo com cipó de envira. Deita numa encruzilhada com os braços e as pernas abertos. Primeiro vêm as borboletas da noite, os husu, elas cobrem seu corpo inteiro. Vem os yuxin que comem os husu até chegar a tua cabeça. Aí você o abraça com força. Ele se transforma em murmuru, que tem espinho. Se você tiver força e não solta, o murmuru vai se transformar em cobra que se enrola no teu corpo. Você aguenta, ele se transforma em onça. Você continua segurando. E assim vai, até que você segura o nada. Você venceu a prova e daí fala, aí você explica que quer receber muka e ele te dá. [Siã Osair Sales]

Tradição do povo Huni Kuni, oeste da Amazônia.

Shaman gives and takes life. To become a shaman, go alone into the woods and tie the whole body with liana envira. Lie at a crossroads with arms and open legs. First come the night butterflies, Husu, they will cover your entire body. Comes the yuxin who eat Husu until he reaches your head. Then you hug him tightly. It turns into murmuru which has thorns. If you have power and not loose yourself, the murmuru will turn into a snake that wraps around your body. You can stand, until it becomes a jaguar. You keep holding. And so it goes, until you hold nothing at all. You won the race and then can talk, so you explain that want to receive muka juice and shaman gives it to you. [Siã Osair Sales]

From oral tradition of Huni Kuni people, west of Amazon. 

junho 05, 2016


Os esqueitistas

Silêncio, por favor, enquanto assisto o movimento dos rapazes com seus esqueites. Quem vê suas roupas largas, com calças maiores que as pernas, não se engane, não é despojo - é para que caiba a grandeza que há em cada um deles... Chegam em grupo, mas bem poderiam vir sozinhos, porque cada um vive seu momento ao mesmo tempo e independente dos outros. São incansáveis em repetir mil vezes a mesma manobra, às vezes cometendo mil vezes o mesmo erro, mas eles persistem, não se entregam ao erro - perseguem por instinto ou obstinação a perfeição. O esqueitista sabe que é preciso treino, aperfeiçoamento constante para conseguir a manobra perfeita, e querem conseguir exclusivamente o seu melhor, porque não há competição entre eles. Naquele instante, são apenas o esqueitista, o chão, o ar e o esqueite.  Em cada obstáculo tem-se um novo desafio, um limite a ser superado, um vencer o medo a cada instante. A cada segundo a sabedoria para hora ousar, hora manter o equilíbrio. O esqueitista não tem medo de machucar-se, não tem medo da queda - O esqueitista entrega-se. Corre, salta, cai. Nenhum de seus companheiros manifesta-se ou estende a mão. O silêncio é sinal de respeito e eles sabem que o outro é capaz de levantar-se sozinho. Cair faz parte da vida, e não importa quantas vezes caiam ou se machuquem, eles levantarão e tentarão outra vez.  Não, ninguém jamais os ensinou coisa alguma. O esqueitista apenas sente que dentro dele existe uma força enorme para realizar feitos incríveis, e em suas manobras e peripécias vão nos dizendo do jeito deles que por mais que erremos ou machuquemo-nos no caminho, devemos tentar sempre, porque, como eles, todos nós somos grandes, mas muitas vezes deixamos de acreditar nisto...

Augusto Branco

(Para João Luis de Oliveira, eterno esqueitista)

maio 30, 2016

DA BARRA PARA O PARANÁ: UMA AVENTURA
Meu avô Zé Fernandes era arrendeiro dos Pereiras. Tinha lavoura em toda encosta da Toca, do rio até o Canta-Galo. Morava numa casinha perto da lagoa, ali onde hoje é a casa do falecido Joca Pereira. À noite, ouvia, de uma lado, o barulho da cachoeira e, de outro, o esguelamento sem fim da saparia do banhado. A lagoa foi aterrada, mas subsiste por ali o coro dos sapos descendentes.

Um dia, ali chegou o rumor dos desbravadores e de seus sonhos no distante Paraná. Então, venderam tudo o que tinham, apuraram uns cobres e lá foram: ele, o padrinho Onofre e o tio Luiz.

Assim, foram parar em Corgo Rico, perto de Rancho Alegre. Ali moraram seis meses, só para fazer colheita de feijão e café, a serviço de um tal de Zé Conrado, mineiro de Varginha. Havia muitas famílias mineiras no lugar e sempre se encontravam no armazém do Ermínio, um italiano, lembrado ainda hoje como um homem bom.

Mais tarde, um Negro convenceu meu avô a ir para Nova Rondon. Viagem longa. Céu e mato por todo lado. Atravessaram o rio Ivai e foram parar nas terras de Demóstenes Luiz Mendonça e Claudinho Mendonça, donos de mais de dois mil alqueires de terra.

Lá tinha de tudo, café, feijão milho e frutas nativas que não acabavam mais. As capinas de lavoura não eram difíceis como as de Minas: o mato era raro e ralo e, na maior parte, somente aqueles delicados pés de mamão e melancia para cortar. Capinar era cortar pé de mamão e de melancia nativos.

Tio Luiz conta que tinha uma “peãozada enorme” na região, gente de todo tipo e de todos os lugares, aventureiros de família, criminosos fugidos da justiça e estrangeiros de fala enrolada. Como as mulheres eram poucas, quem as tinha vivia vigilante. 

Meu avô, quando saiu da Barra e botou pé na estrada, cuidou de levar com ele um rolo de cinco arrobas do melhor fumo que tinha produzido com sabedoria e arte, para consumo próprio. Não sabemos bem se ele adivinhou o valor de troca de um bom fumo para um pitador inveterado em terra estranha e erma. Só sabemos que ele ganhou prestígio, respeito, estima e mesmo veneração entre a “peãozada” daquele fim de mundo. Quando souberam da preciosa mercadoria, pelo aroma das baforadas e dos arredores de seu terreiro, não pararam mais de ir ter com ele, pedindo pedacinho de fumo, dois dedos, um tiquinho que fosse.

Seu Zé Fernandes era generoso na acolhida e no corte de um naco de fumo, que reconfortava até a alma dos pitadores visitantes. Assim, nunca teve problema com ninguém e, para aquela gente, era a imagem da bondade.

Os donos da terra permitiam o desfrute dela por cinco anos sem pagar nada. Meu avô progredia, tinha de tudo, inclusive, uma lavoura de café e a vida prometia dias melhores. Entretanto, as mulheres reclamavam muito daquela vida nos confins. Choravam para voltar. Um dia veio a gota d´água: viram três onças bebendo água no batedor de roupa e os choros e súplicas para a volta cresceram. Padrinho Onofre convenceu então meu avô a voltar.

Um dia, ele estava no porto do rio Ivai e apareceu por ali um itajubense chamado José de Nascimento com seu caminhão. Então meu avô decidiu: voltariam todos com ele para a Barra. Triste de dar pena, meu avô entrou no caminhão, deixando tudo, lavoura e sonhos de mais e mais lavouras – porque, estranhamente, meu avô nunca desejou posse de terras.

A viagem de volta foi longa e dolorida consumição de tudo o que tinham. O caminhão quebrou em Itaim e foram obrigados a ficar quinze dias em hotel esperando conserto. Depois disso, seguiram viagem, mas o caminhão se quebrou novamente em Conhal, com demora de mais quinze dias. Assim, o dinheiro acabou e passaram até fome.

Chegaram à Barra sem nada, nem o que comer. Eu me lembro da mobilização do meu pai e do tio Fernandinho, para que tivessem sustento. Meu avô se entendeu com tio Dito Pereira e foi morar numa casinha á beira do rio, bem defronte da casa do João Grande e da Sinhana, do outro lado do trecho espumante do rio. Padrinho Onofre ficou numa casa que tinha perto do pé da ponte, de onde o jovem e bom Zé Pereira caiu e morreu na enchente.

Morando ali, recomeçaram as lavouras, verdejando sempre do rio até a Toca e o Canta-galo. A passarada era tanta que o voo repentino era um trovão. O alimento era farto e, as matas, escassas.

                                     Genésio Fernandes, Maio de 2012.