dezembro 02, 2010


Pintura: Kristy Gordon


O HUMANO (I)

E eu ressurjo com o vento
por detrás das verdes folhagens
e me contorço em sons e vibrações
inaudíveis aos ouvidos humanos
e me refaço em cores sublimes
e me transporto em nuvens
de puro algodão...
Eu, que sou massa esférica
ponte que atravessa o rio
rio que corre
mar que não se navega
Eu que sou pura e simples
perdida na poeira cósmica
invisível e fantasmagórica
Súplica contida no espanto
Eu sou o Espanto
que corre no mármore frio
e que se abriga no gelo
Sou a ponta do iceberg
Sou branca e pálida
Me desfaço em sons
Me perco em tons
Sutilmente me alastro
Como quem fere
a própria carne
e sangra de dor.




THE HUMAN (I)

And I reborn with the wind
behind the green foliage
and writhe in sounds and vibrations
inaudible to human ears
I´m reproduced in sublime colors
And I´m carried into the clouds
of pure cotton...
I´m a kind of spherical mass
and a bridge across the river
a river that runs
sea that nobody is browsing
Me, a pure and simple being
lost in the cosmic dust
invisible and ghostly
Appeal contained in amazement
I am the astonishment
running in the cold marble
and sheltering in the ice
I am the tip of the iceberg
I'm white and pale
Become undone in sounds
I lose myself in shades
Subtly I’m sprawling
As anyone who hurts
the flesh
and bleeds with pain.



Poema: Ianê Mello
Tradução: Beto Palaio
FREEDOM OF LOVE



Basta um gesto
uma palavra mal dita
um tom impreciso
O amor é frágil...

Sabe, a dor
pode fazer estrago
quanto mais sofrido
o coração
for...

Amar não é posse
não é possuir o ser amado
Amar não é controle
não é coação

O amor é livre
e assim se revela
em flores e perfumes
em cores e sons

Deixe o amor amar
Deixe-o livre para amar
Assim, terás o amor
que tanto queres.



Ianê Mello
TARDE PARA PEIXES



Estamos nesse aquário
de uma grande cidade
como num viveiro tangível
para o habitar naufragado
dos carros que são massas
de peixes em procissão
mescla de quadras submersas
razão de sobra para fugir
em cardumes dispersos

Peixes que sobem ladeiras
Livres em uma rede invisível
Cruzam pontes em longas filas
Decididamente infundadas
Seguindo o rumo dos recifes
Além do ronronar de motores
Aflitos com a solidão repartida
São peixes que refletem aquém
Ágeis soluços de pára-brisas

O homem mora dentro do peixe
Conformado numa calma lírica
O tocar monótono de buzinas
Nem os incomodam de fato
Na mansão de metais piscosos
Se lhes secam a alma o enlatar
Onde em anchovas se tornam
Múmias inermes à competirem
Com o afogar solitário das horas



Beto Palaio