janeiro 06, 2014



O CRIME DO CASTIGO

Das dez coberturas da derme. A juventude, a melhor das tendas, passa por fugaz. Um coicezinho. Palheta ajeitada de banda. Passos em direção ao baile de sábado à noite. Umas costelas. Esse aqui. Meio corpo, meio samba. Simplesmente. Comichões de fandango. Como ele sentiu a aroeira. Seu cavalo encapotado de suor. Assim que despontou a lua cheia. Tomou, no Icó, pinga sertaneja. Ciumeiras que se infestam. Todos os ermos aculturados. Por enquanto isso.

- Cadê tudo o que se promete aqui?

Nós fabricávamos nossos ritos. Um disco dos Beatles. 1965. Todos eles, ingleses, vestidos de onça negra. Na ponta da areia. Um desfile de penas de pato. O gorgulho de não ter ouvido aquele disco. Um help nunca revelado. Num espichar do areão. Zureta. O patrão ajeitava a calça depois da urina. Havia essa alagoana. Um rojão de linda. Dentes de sorriso. Quem haveria de filmar isso? Um aquém de morena. Apetites. Não puderam entrar na água os dois homens. Chapes. Na lagoa do banho dela. Vinha a barra do dia se fartado de nunca nascer. Umas dobraduras de nuvens. A lagoa parecia nem existir mais. Foi. Quando a luz invadiu. Generalidades. Morde aqui, morde ali. E criava sombras.

-Assim não quero não... Assim sem beijos nenhuns?

A manhã nasceu naquele encontro dos dois homens com a alagoana. O amor não é nada até que se torna um tormento. Ela quis. Aprender ofícios. Embora os dois somente pescassem. Traziam peixes ao final de cada dia. Enquanto. Ela fazia da mandioca farinhas de cozer. Do barro potes de conter. Da lenha cinzas de arrefecer. Tudo agora muito bem explicado: Constãncia o nome dela. Os homens: um Darlindo, o outro Sebá. E os dias nem se aformoseavam muito. Passavam esgrimidos. E se espichavam como num varal de quarar lençóis. Sebá deu de cismar com cidade grande. Quase se sentia um solteiro, amancebado com ninguém. Constãncia, por esses lapsos, tivera quatro crianças. A alagoana deitava raízes na fadiga baiana. Simplesmente. Quando Sebá cismou de ir. Sim. Ele foi. Naquele dia. Disseram pouca coisa um ao outro.

- Sebá, você disse que tinha uma coisa ou duas para me contar... Como eu iria saber que você me perturbaria com essa estória de se mudar de vez para São Paulo?

- Tãncia... Eu não percebi... Foi acontecendo de eu ir embora... Eu te contei na semana passada, não foi?

- Você me contou... Ah, sim, você me contou que não queria meu amor nunca mais...

Tal. Quaresma sem torresmo. O tempo de viver rodeava tudo com a mesma certeza. Naqueles quinze dias depois que Sebá foi embora. Como num presságio. Darlindo cismou de sentir falta de Sebá. Falava todas as noites quando ele e Constãncia se espichavam na rede. Dizia que Sebá era como um irmão. Dizia que São Paulo era outro país: “longe, mas com muito dinheiro”. E assim arrastou-se a vida naqueles ermos de fabricar tigelas e potes. Mais um ano. Sem notícias de Sebá. Foi quando Darlindo caiu de um mourão de cerca. Sua palidez ao chegar em casa. Tudo pedia rezas e benzeduras. Darlindo piorou muito. Em três dias Darlindo morreu. No enterro dele, Constãncia entregou suas rogativas para o padre vigário:

- Ajude-me, padre, se você puder, estou me sentindo desacorçoada... Eu gostaria de ter o Sebá por perto... Sei que é impossível... Ajude-me a colocar meus pés de volta ao chão...


Ambos eram, tanto no tanto, moços ainda. Na força que cada um, de seu, possui. Beirando a casa dos quarenta anos. O padre vigário. Barba por fazer. E Constãncia, ajeitando de volta para as costas, sem pressa, seus cabelos um tanto longos. Depois olhou sem um piscar sequer para o padre vigário. E ele não tirou os seus olhos dos olhos dela. Longe o céu era de um azul profundo. Assim sendo. Com seus lábios de arrebol. A vida continua a fritar seus alhos. Ao piar do calango, o cuco da mata, souberam eles que a noite não tardaria a chegar. 


Beto Palaio