AS CORES DA CIDADE
Cidades coloniais
teriam um aspecto branco e limpo, remetendo ao Algarve e ao Mediterrâneo. Não
se pintavam as casas, caiavam-se: além de bonito e luminoso, contribuía, ao
menos parcialmente, para combater parasitas e insetos alojados nas frestas das
precárias taipas. De resto, essa provável beleza era ilusória: essas cidades
eram sujas e fedidas. Para os nossos padrões contemporâneos, até mesmo
inabitáveis. Mas – ainda se vê nas construções restauradas – o branco das
alvenarias, em contraste como verde ou o azul intensos, aplicados às madeiras,
contribuía para homogeneizar a paisagem urbana. Essas cores, à base de óleo de
linhaça, protegiam as madeiras da umidade.
Quando, a partir do
início do século XIX esses padrões começaram a mudar, outros aglutinantes e
outras cores passam a ser usados. Mas, basicamente, os tons pastel passam a
predominar: o rosa-velho; o amarelo-canário, o verde alface e o que hoje
chamamos de azul-calcinha. Cores ainda bastante usadas, predominantes mesmo,
externa como internamente. Qualquer pessoa – que tenha idade para tanto, é
claro – lembra dos interiores dos anos sessenta, com móveis pé-de-palito e as
paredes do ambiente, cada uma em uma das cores mencionadas.
Nos primórdios do
Modernismo, sob a vigência do art-déco, tudo devia ser industrializado – ou
pelo menos, ter essa aparência. Usou-se então um revestimento à base de pedra
moída, que supostamente não precisaria ser pintado: lavar e escovar seria
suficiente. A cor escura – cinza grafite – era compensada pelos diminutos grãos
brilhantes de mica contidos na pedra. Atualmente, temos o cinza-poluição, que
encobre todas as cores...As tintas contemporâneas, com várias bases sintéticas,
são inquestionavelmente mais duráveis e eficientes do ponto de vista higiênico.
A ilimitada paleta de cores dá ao comprador uma grande liberdade de escolha
quanto à cor e à tonalidade – o que às vezes é usado, digamos, com uma certa
falta de noção.
Pessoas que
provavelmente viveram os anos da “estética psicodélica” dos anos sessenta e
setenta, pintam suas casas de amarelo-limão, rosa-choque e azul
“Lucy-in-the-sky-with-diamonds”...Bem, para essas pessoas, o resultado é apenas
alegre e vistoso.Como dizia o grande Rosa – que já tinha nome de cor – “pão
pães, questão de opiniães”. De qualquer forma, esse aspecto da arquitetura
é o mais fácil de neutralizar quando não agrada: é só pintar de novo. Ao
contrário de certos delírios ornamentais, que são desesperadoramente
permanentes.
KEY IMAGUIRE JR
O autor do texto é
arquiteto e professor de arquitetura na Universidade Federal do Paraná.
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