agosto 21, 2015


AS CORES DA CIDADE

Cidades coloniais teriam um aspecto branco e limpo, remetendo ao Algarve e ao Mediterrâneo. Não se pintavam as casas, caiavam-se: além de bonito e luminoso, contribuía, ao menos parcialmente, para combater parasitas e insetos alojados nas frestas das precárias taipas. De resto, essa provável beleza era ilusória: essas cidades eram sujas e fedidas. Para os nossos padrões contemporâneos, até mesmo inabitáveis. Mas – ainda se vê nas construções restauradas – o branco das alvenarias, em contraste como verde ou o azul intensos, aplicados às madeiras, contribuía para homogeneizar a paisagem urbana. Essas cores, à base de óleo de linhaça, protegiam as madeiras da umidade.

Quando, a partir do início do século XIX esses padrões começaram a mudar, outros aglutinantes e outras cores passam a ser usados. Mas, basicamente, os tons pastel passam a predominar: o rosa-velho; o amarelo-canário, o verde alface e o que hoje chamamos de azul-calcinha. Cores ainda bastante usadas, predominantes mesmo, externa como internamente. Qualquer pessoa – que tenha idade para tanto, é claro – lembra dos interiores dos anos sessenta, com móveis pé-de-palito e as paredes do ambiente, cada uma em uma das cores mencionadas.

Nos primórdios do Modernismo, sob a vigência do art-déco, tudo devia ser industrializado – ou pelo menos, ter essa aparência. Usou-se então um revestimento à base de pedra moída, que supostamente não precisaria ser pintado: lavar e escovar seria suficiente. A cor escura – cinza grafite – era compensada pelos diminutos grãos brilhantes de mica contidos na pedra. Atualmente, temos o cinza-poluição, que encobre todas as cores...As tintas contemporâneas, com várias bases sintéticas, são inquestionavelmente mais duráveis e eficientes do ponto de vista higiênico. A ilimitada paleta de cores dá ao comprador uma grande liberdade de escolha quanto à cor e à tonalidade – o que às vezes é usado, digamos, com uma certa falta de noção.

Pessoas que provavelmente viveram os anos da “estética psicodélica” dos anos sessenta e setenta, pintam suas casas de amarelo-limão, rosa-choque e azul “Lucy-in-the-sky-with-diamonds”...Bem, para essas pessoas, o resultado é apenas alegre e vistoso.Como dizia o grande Rosa – que já tinha nome de cor – “pão pães, questão de opiniães”. De qualquer forma, esse aspecto da arquitetura é o mais fácil de neutralizar quando não agrada: é só pintar de novo. Ao contrário de certos delírios ornamentais, que são desesperadoramente permanentes.

KEY IMAGUIRE JR


O autor do texto é arquiteto e professor de arquitetura na Universidade Federal do Paraná.

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