maio 01, 2013



AS MORTES DA MORTE EM VENEZA


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Houve uma quinzena, ou mais, de interrupção naquela seqüência de mortes misteriosas. Foi nessa trégua que Otelo Carruters, tido pelas prostitutas locais como um mocetão insaciável. Na sua origem um tímido meeiro agrícola de Botorrita, Venezuela. Mas que no despertar do sexo pago se tornou ciumento até da própria sombra. Otelo é um apreciador de chope nas horas mais irregulares. Pesquisador de pedras preciosas. Mas, acima de tudo. Principalmente um observador dos mínimos gestos femininos de uma moça que vende flores na Praça de São Marcos. Ela é linda, sempre sorridente, habitando um espaço entre as lojas de conveniência e a praça, onde reina o grande Príncipe Rolex, o relógio da torre, o qual toca tons e semitons, invariavelmente, a cada meia hora. Otelo é recorrente tal o Príncipe Rolex, teimoso em sua paquera, afeito a qual, nunca desiste de algo que cobiça. Quando se trata de conquistar o coração feminino, esse Otelo Carruters age tal um mouro dentro das insistências de um apaixonado. Assim foi quando ele cismou de tomar posse dos afetos dessa moça vendedora de flores, independente dela ser cega de nascença. Muito embora não contivesse sua irritação quando soube dos particulares da moça das flores. Algo que. Para sustento de seus áis. Ele divide em mágoa com seu amigo de copo, o gondoleiro Lubiski Morsini. O qual disse para Carruters que a moça, de nome Jasmine, era protegida por um tal Padre Pey, um que ainda reza missas, mas somente na cidade de Toledo, Espanha. E que esse Padre Pey mora aqui num cubículo, junto com Jasmine, onde eles sempre deixam a carroça de flores estacionada bem em frente ao pórtico de entrada do velho edifício. Ainda mais, diz à Otelo, o seu amigo gondoleiro, que aquela moça, a Jasmine, é viúva do árabe Dalil D´Azizio. Um que apareceu morto em pleno canal, mas não agora em meio a essa série fatídica, isto coisa já de um ano. No dia seguinte à essa conversa com o gondoleiro Lubiski Morsini, Otelo Carruters foi até a banca de Jasmine comprar flores. Indignado estava pela bela moça ser assim jogada de um lado para o outro na mão dessa desditosa vida. Diante de Jasmine, fingindo que compraria uma rosa, Otelo quis passar-se por outro. Disse ele postando a voz e mentindo para Jasmine:

- Moça, sou o Padre Deveraux... De Toledo... Procuro aqui por um subalterno meu... Disseram-me que você... Tão linda e cativante assim... Pois bem... Disseram-me que você me ajudaria...

A moça Jasmine ficou apavorada. Disse que não sabia nada sobre esse subalterno dele, o Padre Pey...

- Mas, eu nem disse o nome dele ainda... Calma, menina... Nada acontecerá a ele... Isto é... Somente se...

- Se...

- Você deixar de viver em pecado com ele e concordar em dar outro rumo em sua vida... Isso urgentemente, diga-se...

- Ah... Padre Deveraux... Não penso em outra coisa desde que fiquei viúva de Dalil D´Azizio...

- Já soube de sua desdita...

- Mas o que farão com o Padre Pey?

- Há casos... Veja bem... Pode bem ser que o Padre Pey não passe por isso... Seria por demais desastroso para ele... Mas... Há casos que apenas se resolve com toda cólera advinda da milícia do Palácio Maior... Falo da correção ministrada pela polícia do primado regimental do Vaticano... Em outras palavras... Cadeia e chibata...

- Mas o Padre Pey é tão bonzinho... Precisa conhecê-lo melhor...

- Mas vive contigo... Minha bela flor... Em pecado absoluto... E você deve concordar muito bem com isto... Pois aceitou essa vida bandida à qual ele te relegou...

- Não, Padre Deveraux... Não é o que pensa... Não é mesmo...

- Como assim?

- Ele jamais encostaria um dedo em mim... Aliás... Padre Deveraux... Essa tem sido minha sina... Nunca fui experimentada enquanto mulher... Nem pelo meu ex-marido... O falecido Dalil D´Azizio...

- Que estória é esta de não ter sido experimentada?

- É que Dalil era deveras masculino... Um touro... Um homem que pesava perto de cem quilos... Distribuídos em um metro e oitenta e cinco... Pois no dia da nossa lua-de-mel... Aqui mesmo em Veneza... O senhor está me ouvindo?

- Sim, estou aqui ao seu lado...

- Pois nesse dia fatídico ele deixou-me no hotel e saiu para comprar cigarros... Somente quinze dias depois acharam seu corpo...

- Que trágico... Que martírio para você... Encantadora Jasmine... Então o Padre Pey não encomendou a entrega da casca sagrada?

- Que casca sagrada?

- Falo de sua virgindade... A igreja preza muito a virgindade numa donzela linda como você... Totalmente... Eu diria até... Devotadamente... Portanto um padre sabe bem do valor dessas janelinhas laqueadas para o pecado...

- Quanto ao Padre Pey... Posso segredar isto ao senhor... Sem que qualquer crime pese sobre ele... Pois... Revelarei definitivamente isto...

- Isto o que?... Que ele não passa de um canalha?

- Não... Não... Padre Deveraux... Perdoe o Padre Pey... Ele não é um criminoso como o senhor pensa...

- Mas vive com você em pecado...

- Não é bem assim...

- Me explique melhor, doce e gentil criatura...

- Padre Deveraux... Eu lhe revelarei que... O Padre Pey é meu legítimo irmão...

- Irmão?

- Sim... Nós somos de Toledo... Uma cidade onde ele seguia os mandamentos de Deus como nem um judeu devoto o faria...

- Mas fugiu de Toledo... Isso tem uma conotação absurdamente desfavorável para ele... Um homem de Deus vivendo praticamente como um eremita... Oculto numa viela de Veneza... Com sua adorável irmã cega... Algum motivo menos sagrado esse santo homem há de ocultar... Venha... Vamos até ele... Gostaria de resolver logo essa pendência... Como enviado da Sagrada Família Católica... Isto é tudo...

Assim os dois se dirigem para a viela onde o Padre Pey vive com sua irmã Jasmine... Ali chegando é Jasmine quem entra no pardieiro de casas para dar a notícia da prisão que o seu superior de Toledo vem lhe apresentar... Mal sabendo ela da farsa que lhe prega Otelo Carruters, o visionário apaixonado... Com a punição do irmão em mente, Jasmine entra no quarto de Padre Pey... Naquele momento ela está às lágrimas... O Padre é comunicado que seu superior está munido de uma carta de arresto para ele... E que não há motivos para pânico... Basta ele se entregar... Entretanto Padre Pey tem outras idéias a respeito... Motivado principalmente pelo segredo de haver desviado os fundos milionários da Santa Igreja de Toledo... Logo... Movido pelo anseio de evadir-se... Prepara rapidamente sua bagagem de mão e se despede de Jasmine, saindo por uma janela dos fundos, uma que se descortina para uma série passagens secretas e canais secundários, e assim arregimentado, Padre Pey não seria mais encontrado nem na Europa, nem na Ásia...

- Adeus, querida irmã...

Ela ainda tem tempo de ouvir a voz de seu irmão, como um murmúrio distante, tal as águas que correm de uma cisterna, enquanto os passos dele se afastam na distância...

- Volte Pey... Meu irmão... Não faça isto...

Na rua é uma Jasmine chorosa que vem avisar Otelo Carruters, aliás o homem tido como Padre Deveraux, da fuga de seu irmão... Este logo adentra na casa e conclui que doravante encontrar-se-á neste mundo como o legítimo benfeitor daquela virgenzinha desprotegida e fragilizada...

- Jasmine... Ele lhe oculta algo muito perigoso... Porque fugiria?... Aliás... Bom que te diga... Sou apenas um agente secreto a serviço do magnânimo Bispo de Toledo... Não passo de um simples investigador... Dei-lhe o nome de Padre Deveraux... Mas sou Otelo... Otelo Carruters... Pronto a desfazer esse mal entendido com seu irmão... Aliás... A investigação morre aqui... Não há motivos para perseguir este pobre homem... Agora antevejo a minha verdadeira obrigação... E quando puder transmitirei isto ao Bispo de Toledo... A minha obrigação agora é de prontamente lhe proteger... É assim que age a Igreja do Bispado de Toledo... Não desampara nenhum aflito... Nenhum...

- Obrigado então... Senhor...

- Otelo... Seu criado...

- Obrigado mesmo... Senhor Otelo... Que confusão o meu irmão criou para a Igreja, não é mesmo?... Meu Deus... E este desastrado caso acabou por envolvê-lo... Desculpe-me...

- Que é isto minha flor?... Que é isto?... Deixe-me enxugar suas lágrimas...

Memórias são feitas de areia. Quando estão úmidas pelas lágrimas não se desfazem, formam um gumo, uma contenção. De espinhos alertas. Inefáveis. Embarcados. Quando soltas as memórias voam, grão a grão, não só, elas evaporam. Nada as recuperam... Assim... Logo na noite seguinte, um ávido Otelo se muda para a casa de Jasmine... Onde tomam vinhos raros e se alegram mutuamente... Aos poucos Otelo ensina as nobres artes da concupiscência para Jasmine... Logo ela está nua... E feliz por estar sendo especialmente orientada para o sestro carnal por uma pessoa tão cordata e jovial como Otelo Carruters... Ele deita-se com ela numa canastra recoberta por almofadas... Otelo prontamente oferece sua mão para acariciar aquela esplêndida veludinha... Orientando naquela direção um possante mastro... A ruína das ruínas... Mas nada do desfalecimento pós-ejaculação... Pois Otelo não a penetra de todo... Apenas nas bordas flamejantes da corola de sua tímida flor... Depois lhe ensina um truque que disse haver aprendido em livros indianos... Coisa do tempo dele ser ainda um estudante... E proporciona para aquela voluptuosa cabacinha a sua língua louca... Jasmine delira... Crê que enxerga luzes... Pede por mais... Quer também lhe acariciar o mastruço... E foi assim, após rápida apresentação formal, que ela retribui à possante bimba, a sua ávida boca... Após o ato desbragado de se sorverem mutuamente... Otelo faz com que Jasmine se amolde por sobre seu mastro e a penetra de modo sutil, porém com o rompedor completamente embrenhado em suas belíssimas dobraduras carnais...

- Ai... Como dói...

- Quer então que eu pare?

- Claro que não, meu amor... Claro que não...


Beto Palaio


Trecho de uma série de mini-contos que fazem parte de um capítulo do livro (em progresso) que é Pitchula e os Paranóias, livremente inspirado na capa do LP Sargent Pepper´s dos Beatles.

Pintura: John William Godward

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