setembro 24, 2011

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CASA GRANDE & SENZALA & MODELITOS

Como já se fazia alta a manhã. E ninguém aparecera para o trabalho. O autor foi bater palmas na casa dos personagens. Um menino mulato, com feições finas, aparentando não mais que dez anos de idade, veio atender ao portão. “O que o senhor quer?”. O autor explica ao menino, mas sem entrar no cerne da questão: “hoje eu tenho um tema muito interessante, preciso acordar os personagens... Acorde todos eles para mim”. O menino fica sem entender. “Mas acordar quem? Não tem ninguém aqui”. O autor afasta gentilmente o garoto e adentra a casa dos personagens. Entra na sala e sente um bafio de estranhamento. Vai num quarto, tudo vazio. Vai ao outro quarto, idem. Depois volta para a sala onde está o menino, e ele parece não entender o que se passa, mas lhe fala: “eu avisei ao senhor que não tinha ninguém aqui”. O autor está confuso: “mas onde foi todo mundo?”. O menino elucida pelo menos isso: “acho que todos foram para a Casa Grande... O senhor já foi lá?”. O autor dá de ombros, fica inconformado, mas decide ir imediatamente até a Casa Grande, para isto ele atravessa uma ponte, dois lugarejos palustres, mais uma ponte, dessa vez uma ponte rústica, feita de toras de madeira, depois passa por um vilarejo com muita criança e cachorros magros nas ruas, depois ele segue por um caminho ao aprisco de uma perfumada mata de abricós, depois percorre uma estradinha de terra onde, ao lado direito, há uma chácara em que o sitiante fez um imenso cercado de bambu, depois o autor sobe uma ladeira flanqueada de árvores frondosas e desce por um caminho obscurecido por uma floresta tropical, onde ao fundo dele, bem ao lado de uma fonte natural, existe uma imensa pedra de granito a qual os moradores dizem ser assombrada, nisto o autor coloca o ouvido numa das faces da pedra para tentar ouvir a mulher que chora, mas não ouve nada, pois segundo dizem a mulher chora somente à meia-noite em ponto, por fim, sempre seguindo em frente, surge-lhe uma primeira visão da Casa Grande, longe ainda, por trás de muitas folhas de coqueiros e bananeiras, quando o autor já deixa para trás a mata fechada, ainda por um caminho estreito, e súbito encontra-se com um cavaleiro trajado com excessos de couros e levando uma espingarda às costas enquanto manobra um cavalo estreleiro e arisco. “Que quer o senhor por estes lados?”, pergunta o cavaleiro que logo se apresenta como Antão de Sá, um feitor de escravos que também faz as vezes de capitão-do-mato, um temido intendente de polícia da Casa Grande, na verdade um caçador de escravos fugidos na região. “Senhor Antão, eu procuro pelos meus personagens... Eles fugiram de mim... É o que parece”. Ao citar a fuga, Antão de Sá, calejado na especialidade de buscar escravos fujões, acalma o autor: “todos eles fogem um dia, ou pelo menos tentam fugir... O senhor trata mal os seus escravos?”. Ele diz ao Sr. Antão que não são escravos os seus personagens, que antes, ele, o autor, é que se sente escravo deles, e afirma-lhe que eles são seus funcionários, que trabalham para ele, mas nunca em regime de escravidão. “Não entendi não senhor”, disse coçando o cabelo encaracolado o feitor e capitão-do-mato Antão de Sá. Ocorre que ele, como que adivinhando do conto ser estória curta de não poder ser esticada como se fosse um romance de José de Alencar, o feitor de escravos resumiu assim a questão: “nada sei dos seus personagens... Mas a Casa Grande está sem o chefe, que viajou... Sim, o fazendeiro Aloe Nassau Veras saiu da fazenda dizendo que iria à capital Recife para tratar de uns assuntos de herança, lá dele... Antes de sair ele encarregou Gervázio de Azevedo, o Peralta, como seu substituto... O Gervázio é que está com plena autoridade para cuidar da Casa Grande... Mas o Gervázio também se ausentou por uns dois dias... Coisa da mãe dele, Dona Maricotinha, ficar doente numa vila aqui perto... Mas ele deixou o Calói, um rapaz aprendiz de olaria, como seu auxiliar e responsável pela Casa Grande no caso de sua ausência”. Como o autor viu que iria perder tempo na Casa Grande, e tendo ainda de escrever uma matéria para um jornal do Rio de Janeiro sobre a Fashion Week de São Paulo, pediu licença ao feitor de escravos Antão de Sá: “com vossa licença, Sr. Antão”, e com pressa, saiu por um cortinado esverdeado, repleto de musas sorridentes, que fica bem ali, ao lado de um nicho de samambaias, cheio de carrapichos e trepadeiras, por trás do qual, já esperando pelo autor, está estacionado um taxi que o levará direto ao aeroporto de Guararapes, onde ele tomará um avião para São Paulo e irá assistir ao desfile de modelitos na inauguração da Fashion Week.


Beto Palaio





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