AS MORTES
DA MORTE EM VENEZA
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Houve uma quinzena, ou mais, de
interrupção naquela seqüência de mortes misteriosas. Foi nessa trégua que Otelo
Carruters, tido pelas prostitutas locais como um mocetão insaciável. Na sua
origem um tímido meeiro agrícola de Botorrita, Venezuela. Mas que no despertar
do sexo pago se tornou ciumento até da própria sombra. Otelo é um apreciador de
chope nas horas mais irregulares. Pesquisador de pedras preciosas. Mas, acima
de tudo. Principalmente um observador dos mínimos gestos femininos de uma moça
que vende flores na Praça de São Marcos. Ela é linda, sempre sorridente,
habitando um espaço entre as lojas de conveniência e a praça, onde reina o
grande Príncipe Rolex, o relógio da torre, o qual toca tons e semitons,
invariavelmente, a cada meia hora. Otelo é recorrente tal o Príncipe Rolex, teimoso
em sua paquera, afeito a qual, nunca desiste de algo que cobiça. Quando se
trata de conquistar o coração feminino, esse Otelo Carruters age tal um mouro
dentro das insistências de um apaixonado. Assim foi quando ele cismou de tomar
posse dos afetos dessa moça vendedora de flores, independente dela ser cega de
nascença. Muito embora não contivesse sua irritação quando soube dos
particulares da moça das flores. Algo que. Para sustento de seus áis. Ele
divide em mágoa com seu amigo de copo, o gondoleiro Lubiski Morsini. O qual
disse para Carruters que a moça, de nome Jasmine, era protegida por um tal
Padre Pey, um que ainda reza missas, mas somente na cidade de Toledo, Espanha.
E que esse Padre Pey mora aqui num cubículo, junto com Jasmine, onde eles
sempre deixam a carroça de flores estacionada bem em frente ao pórtico de
entrada do velho edifício. Ainda mais, diz à Otelo, o seu amigo gondoleiro, que
aquela moça, a Jasmine, é viúva do árabe Dalil D´Azizio. Um que apareceu morto
em pleno canal, mas não agora em meio a essa série fatídica, isto coisa já de um
ano. No dia seguinte à essa conversa com o gondoleiro Lubiski Morsini, Otelo
Carruters foi até a banca de Jasmine comprar flores. Indignado estava pela bela
moça ser assim jogada de um lado para o outro na mão dessa desditosa vida.
Diante de Jasmine, fingindo que compraria uma rosa, Otelo quis passar-se por
outro. Disse ele postando a voz e mentindo para Jasmine:
- Moça, sou o Padre Deveraux... De
Toledo... Procuro aqui por um subalterno meu... Disseram-me que você... Tão
linda e cativante assim... Pois bem... Disseram-me que você me ajudaria...
A moça Jasmine ficou apavorada.
Disse que não sabia nada sobre esse subalterno dele, o Padre Pey...
- Mas, eu nem disse o nome dele
ainda... Calma, menina... Nada acontecerá a ele... Isto é... Somente se...
- Se...
- Você deixar de viver em pecado
com ele e concordar em dar outro rumo em sua vida... Isso urgentemente, diga-se...
- Ah... Padre Deveraux... Não
penso em outra coisa desde que fiquei viúva de Dalil D´Azizio...
- Já soube de sua desdita...
- Mas o que farão com o Padre Pey?
- Há casos... Veja bem... Pode bem
ser que o Padre Pey não passe por isso... Seria por demais desastroso para
ele... Mas... Há casos que apenas se resolve com toda cólera advinda da milícia
do Palácio Maior... Falo da correção ministrada pela polícia do primado regimental do Vaticano... Em
outras palavras... Cadeia e chibata...
- Mas o Padre Pey é tão bonzinho...
Precisa conhecê-lo melhor...
- Mas vive contigo... Minha bela
flor... Em pecado absoluto... E você deve concordar muito bem com isto... Pois
aceitou essa vida bandida à qual ele te relegou...
- Não, Padre Deveraux... Não é o
que pensa... Não é mesmo...
- Como assim?
- Ele jamais encostaria um dedo em mim... Aliás... Padre Deveraux... Essa tem
sido minha sina... Nunca fui experimentada enquanto mulher... Nem pelo meu
ex-marido... O falecido Dalil D´Azizio...
- Que estória é esta de não ter
sido experimentada?
- É que Dalil era deveras masculino...
Um touro... Um homem que pesava perto de cem quilos... Distribuídos em um metro
e oitenta e cinco... Pois no dia da nossa lua-de-mel... Aqui mesmo em Veneza...
O senhor está me ouvindo?
- Sim, estou aqui ao seu lado...
- Pois nesse dia fatídico ele deixou-me no hotel e saiu para comprar
cigarros... Somente quinze dias depois acharam seu corpo...
- Que trágico... Que martírio para
você... Encantadora Jasmine... Então o Padre Pey não encomendou a entrega da
casca sagrada?
- Que casca sagrada?
- Falo de sua virgindade... A
igreja preza muito a virgindade numa donzela linda como você... Totalmente...
Eu diria até... Devotadamente... Portanto um padre sabe bem do valor dessas
janelinhas laqueadas para o pecado...
- Quanto ao Padre Pey... Posso
segredar isto ao senhor... Sem que qualquer crime pese sobre ele... Pois...
Revelarei definitivamente isto...
- Isto o que?... Que ele não passa
de um canalha?
- Não... Não... Padre Deveraux...
Perdoe o Padre Pey... Ele não é um criminoso como o senhor pensa...
- Mas vive com você em pecado...
- Não é bem assim...
- Me explique melhor, doce e gentil
criatura...
- Padre Deveraux... Eu lhe
revelarei que... O Padre Pey é meu legítimo irmão...
- Irmão?
- Sim... Nós somos de Toledo... Uma
cidade onde ele seguia os mandamentos de Deus como nem um judeu devoto o
faria...
- Mas fugiu de Toledo... Isso tem
uma conotação absurdamente desfavorável para ele... Um homem de Deus vivendo
praticamente como um eremita... Oculto numa viela de Veneza... Com sua adorável
irmã cega... Algum motivo menos sagrado esse santo homem há de ocultar...
Venha... Vamos até ele... Gostaria de resolver logo essa pendência... Como
enviado da Sagrada Família Católica... Isto é tudo...
Assim os dois se dirigem para a
viela onde o Padre Pey vive com sua irmã Jasmine... Ali chegando é Jasmine quem
entra no pardieiro de casas para dar a notícia da prisão que o seu superior de
Toledo vem lhe apresentar... Mal sabendo ela da farsa que lhe prega Otelo
Carruters, o visionário apaixonado... Com a punição do irmão em mente, Jasmine entra
no quarto de Padre Pey... Naquele momento ela está às lágrimas... O Padre é
comunicado que seu superior está munido de uma carta de arresto para ele... E
que não há motivos para pânico... Basta ele se entregar... Entretanto Padre Pey
tem outras idéias a respeito... Motivado principalmente pelo segredo de haver
desviado os fundos milionários da Santa Igreja de Toledo... Logo... Movido pelo
anseio de evadir-se... Prepara rapidamente sua bagagem de mão e se despede de Jasmine,
saindo por uma janela dos fundos, uma que se descortina para uma série
passagens secretas e canais secundários, e assim arregimentado, Padre Pey não
seria mais encontrado nem na Europa, nem na Ásia...
- Adeus, querida irmã...
Ela ainda tem tempo de ouvir a voz
de seu irmão, como um murmúrio distante, tal as águas que correm de uma
cisterna, enquanto os passos dele se afastam na distância...
- Volte Pey... Meu irmão... Não
faça isto...
Na rua é uma Jasmine chorosa que
vem avisar Otelo Carruters, aliás o homem tido como Padre Deveraux, da fuga de
seu irmão... Este logo adentra na casa e conclui que doravante encontrar-se-á
neste mundo como o legítimo benfeitor daquela virgenzinha desprotegida e
fragilizada...
- Jasmine... Ele lhe oculta algo
muito perigoso... Porque fugiria?... Aliás... Bom que te diga... Sou apenas um
agente secreto a serviço do magnânimo Bispo de Toledo... Não passo de um
simples investigador... Dei-lhe o nome de Padre Deveraux... Mas sou Otelo...
Otelo Carruters... Pronto a desfazer esse mal entendido com seu irmão...
Aliás... A investigação morre aqui... Não há motivos para perseguir este pobre
homem... Agora antevejo a minha verdadeira obrigação... E quando puder
transmitirei isto ao Bispo de Toledo... A minha obrigação agora é de
prontamente lhe proteger... É assim que age a Igreja do Bispado de Toledo...
Não desampara nenhum aflito... Nenhum...
- Obrigado então... Senhor...
- Otelo... Seu criado...
- Obrigado mesmo... Senhor Otelo...
Que confusão o meu irmão criou para a Igreja, não é mesmo?... Meu Deus...
E este desastrado caso acabou por envolvê-lo... Desculpe-me...
- Que é isto minha flor?... Que é isto?... Deixe-me enxugar suas lágrimas...
Memórias são feitas de areia.
Quando estão úmidas pelas lágrimas não se desfazem, formam um gumo, uma
contenção. De espinhos alertas. Inefáveis. Embarcados. Quando soltas as
memórias voam, grão a grão, não só, elas evaporam. Nada as recuperam...
Assim... Logo na noite seguinte, um ávido Otelo se muda para a casa de Jasmine...
Onde tomam vinhos raros e se alegram mutuamente... Aos poucos Otelo ensina as
nobres artes da concupiscência para Jasmine... Logo ela está nua... E feliz por
estar sendo especialmente orientada para o sestro carnal por uma pessoa tão
cordata e jovial como Otelo Carruters... Ele deita-se com ela numa canastra
recoberta por almofadas... Otelo prontamente oferece sua mão para acariciar
aquela esplêndida veludinha... Orientando naquela direção um possante mastro...
A ruína das ruínas... Mas nada do desfalecimento pós-ejaculação... Pois Otelo
não a penetra de todo... Apenas nas bordas flamejantes da corola de sua tímida
flor... Depois lhe ensina um truque que disse haver aprendido em livros
indianos... Coisa do tempo dele ser ainda um estudante... E proporciona para
aquela voluptuosa cabacinha a sua língua louca... Jasmine delira... Crê que
enxerga luzes... Pede por mais... Quer também lhe acariciar o mastruço... E foi
assim, após rápida apresentação formal, que ela retribui à possante bimba, a
sua ávida boca... Após o ato desbragado de se sorverem mutuamente... Otelo faz
com que Jasmine se amolde por sobre seu mastro e a penetra de modo sutil, porém
com o rompedor completamente embrenhado em suas belíssimas dobraduras carnais...
- Ai... Como dói...
- Quer então que eu pare?
- Claro que não, meu amor... Claro
que não...
Beto Palaio
Trecho de uma série de mini-contos que fazem parte de um capítulo do livro (em progresso) que é Pitchula e os Paranóias, livremente inspirado na capa do LP Sargent Pepper´s dos Beatles.
Pintura: John William Godward