agosto 21, 2014

Ms. Kimberly, oil on panel, 30 x 30inches, 2009

ELIETE

Eliete tinha treze anos. Morava no apartamento em frente ao meu. Eu acabara de me mudar, vinha de outra cidade, não conhecia ninguém. Ela tinha três irmãos, todos começavam com a letra E: Elizabeth, Edson, Elenice. Achava tudo muito interessante, com nove anos de idade eu ainda não tinha visto muitas coisas no mundo. E ela era tão suave. Ficava horas conversando comigo, brincávamos eu, ela e seu irmão Edson que tinha a minha idade. Diziam que ele gostava de mim.

Jogávamos baralho e brincávamos com as palavras num jogo que se chamava STOP. Era um jogo de memória em que devíamos lembrar palavras com uma das letras do abecedário dita por um dos participantes mentalmente. Um outro jogador, então, dizia “stop” e assim a letra era revelada em voz alta. Todos escreviam rapidamente as palavras que se lembravam, quem terminasse primeiro gritava novamente STOP. Depois, contávamos os pontos. As palavras eram divididas em categorias na folha de papel de cada um: nomes, profissão, marcas de carro, marcas de cigarro, filmes, novelas, times de futebol, animais, flores, frutas e o que mais quiséssemos colocar ali. O mundo adulto começava a fixar-se em nossas lembranças. O Capitalismo e suas garras apresentavam-se na construção do nosso imaginário – marcas de carros e cigarros nos faziam entrar nesse mundo onde o charme está ligado ao poder de compra. Crianças mergulhando no abismo.

De onde eu vinha, não podia brincar fora de casa. Avenidas, carros, ladrões e medo espalhavam-se nas ruas, árvores e praças. Estava em todo lugar e até mesmo no ar. A respiração era muito difícil. A asma chegava de repente dominando meus pulmões, uma simples risada que precisasse de um pouco mais de fôlego podia ser fatal. Por isso nos mudamos, claro que havia outros motivos, mas para mim esse era o mais importante. Agora eu teria ar! E junto com a possibilidade de respirar vieram os novos amigos. Eliete era doce e alegre. Tornou-se minha grande companheira e dizíamos sempre isso uma à outra. Saboreava um orgulho imenso: minha melhor amiga era quatro anos mais velha que eu! Quase nem acreditava. Ela me contava segredos: seu primeiro namorado, o primeiro beijo. E os sonhos surgiam em mim completamente diferentes dos pesadelos de antes.

Durou pouco minha nova vida, seis meses depois, eu e minha família voltávamos para a mesma cidade de onde tínhamos vindo. Meu pai não conseguira emprego e a única solução era deixar o paraíso. O meu paraíso. A despedida foi extremamente triste. Juramos nos escrever para sempre, nos encontrar depois de adultas. Chorei copiosamente durante as seis de horas de viagem de carro. Acho que consegui dormir um pouco entre tantas lágrimas, mas a solidão estava de volta. Chorei no meu lugar, longe do mundo dos adultos, longe de irmãos e pais. As vidas em minha casa não se misturavam. Substâncias totalmente insolúveis.

Eliete escreveu algumas cartas. Edson também. Por pouco tempo. Brincadeiras e risadas não são a mesma coisa no papel. O papel das palavras em minha vida, no entanto, nunca mais foi o mesmo depois de Eliete.


TANIA AMARES


Arte: Lu Cong - 2009

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