agosto 04, 2014


O AMOR, JÁ DE SI, É PÁSSARO DE FOGO

Por onde você mora. Ao subir as poucas escadas do alpendre. Só então. Abre uma porta. Atravessa o tapete da sala. Balbucia uma opinião sobre uma conversa que ouviu ao passar por ali. O amor, já de si, é uma forma de alcova. Dançando na água. No pátio havia o tamborilar da chuva, visto pelo reflexo de uma lâmpada de mercúrio, o prometido novo mundo, num ir e vir, na alusão de palácios japoneses, onde pássaros de fogo refrescam-se. No oco de coisa nenhuma. Muitas cores não se deixam enxergar. Tal ninféias. São lindas de imaginar. Sacrifícios que se alteiam. O amor, já de si, é uma forma de tênues bordados na margem de um lenço que é agitado numa despedida inadiável. Ela perdeu o caminho do bom senso. Entrega-se como se fosse uma viúva alegre. Vinha ela pelo amanhã do viver avulso. Lá se encontrava uma terça-feira quase entregando os pontos para o nascer de uma quarta-feira. No discreto da hora. A rua vadia. Quando ela sentiu a umidade do esperma de seu amante por entre as pernas que se moviam apressadas. Latências. Escorrimentos. Correição. Catarse. Minutos que correm em direção à meia-noite. O amor, já de si, é uma forma de tardio arrependimento que nunca promove uma pessoa prudente ao patamar dos inolvidáveis. Um boato quase teatral. Ela deixou a porta do quarto aberta. Seu homem dormia. Ela pensou no filho e na filha que ficaram em casa com o marido. Não se arrependia. Sabia que a liberdade que estava conseguindo era algo que lutara para alcançar. Arduamente. O jogo de fingimentos. Um casamento jogado no lixo. A chuva no quintal. As roseiras entregavam suas pétalas para a terra. Um fedor de terra molhada. Ao bicho imundo de sentir-se uma esposa infiel. O amor, já de si, é mais que um momento lindo. Qual criaturas ricas sorvendo o néctar de uma liberdade perfumada dentre maresias de ofertas tropicais. O amor, nessas circunstâncias, é temporal, é sacrifício, é um ponderar sem tréguas, é também uma forma de alheamento. Ela ouviu um surdo trovão. Contava seus passos. E foram muitos. Naquele chão de ir embora. Lendas de nunca voltar para trás. Beijos de soslaio. Agora tudo o que havia de tédio nela se ausentava quando se divertia bons folguedos na casa do seu namorado. Ela agora regressava como que dançando na chuva. O amor, já de si, é uma forma de bailado. Ela sussurrou eu te amo. Isso enquanto ele forcejava de gozar nela num coito anal. Ela pediu um beijo com seu pescoço empinado. Trocaram salivas. Ele gozou copiosamente enquanto se beijavam. Ela podia sentir a quentura do esperma adentrando os últimos redutos de seus ocultos desejos onde se via arrancada do planeta pelo abraço musculoso e perfumado daquele macho que promove o arrimo em sua única e adorada paixão. O amor, já de si, é dúvida e desespero e calunia e difamação e remorso. O amor, já de si, é um gesto de ordem. O amor, já de si, é uma fuga sem fim. O amor, já de si, é uma encenação de novela mexicana. O amor, já de si, é pura alegria e jovialidade. O amor, já de si, é essa afogueada mulher do mesmo modo voltando para a casa do amado e se deixando despir com seus lábios sendo imediatamente instigados a beijar o corpo dele que a aguardava já totalmente nu para entretê-la aos limites do estupor sem arrependimentos sem disfarces sem abandonos sem dúvida nenhuma.

Beto Palaio


Arte: Wallpaper de autoria desconhecida.

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