A FACE FACEIRA
Não vou dizer que ela é bonita. Prefiro dizer
que era bonita, como se fosse no passado ou como se ela já não
estivesse entre nós, tanto faz. Vez em quando mudava o corte de seus cabelos
louros, muito finos, cheirosos, cor de corda crua. Rapunzel pós-moderna.
Gostava de vê-los ao sol do fim de tarde, quando adquiriam uma tonalidade de
ouro. Mas a lisura de sua face eu preferia ver pela manhã, cuja
luminosidade denunciava um cálido brilho de mármore, textura de
porcelana, tez de areia clara. Nas maçãs do rosto, nuas nuances de pêssego.
Gostava de passear o olhar demoradamente pela pele de seu rosto,
sobrevoar aquele semblante sublime, que ora revelava uma pequena pinta, aqui ou
ali, ora apresentava relevos e declives, como sua testa levemente arredondada,
quase sempre escondida pelas douradas madeixas, testa que descia para um nariz
equilibrado, elegante. Um pouco mais ao sul, aquele par de lábios naturalmente
rubros, duas pétalas úmidas de tulipas escarlates, cujos breves sorrisos
tímidos, revelavam um colar de pérolas e acentuavam o raro róseo das
bochechas. Pousava minha atenção sobre aqueles lábios túmidos,
tépidos, que mesmo silentes pareciam sussurrar segredos. Vistos de lado, um
morango orvalhado. De frente, um coração dobrado. Um pouco mais ao sul, o
queixo de curva suave, cujas linhas de contorno se prolongavam até encontrar as
pequenas orelhas, vigiadas por brincos discretos, que se escondiam
entre aqueles cabelos que emolduravam sua face de esfinge. Mas é
preciso falar de como eu acompanhava o desenho de suas sobrancelhas, de tons
castanhos, simetricamente arqueadas, afinando nas pontas, com os fios
perfilados como jardins próximos ao oásis de seus olhos. Deles, vou revelar
apenas que aquele par de mandalas fugazes eram guarnecidos por um conjunto de
cílios arredondados, que ao piscar das pálpebras pareciam duas pequenas
folhas de palmeira a cobrir aqueles olhos inocentes, indecentes, incandescentes.
Conforme a luz do ambiente, era possível notar pequenas mudanças na cor da
íris, cujos detalhes mínimos mais pareciam tintas na paleta de um pintor que
misturasse tons entre o jade e o esmeralda, com breves pinceladas de azul e
prata. Quando menstruava, as pupilas diminuíam e eles ficavam ainda mais
claros, mais luminosos. Duas certezas me confidenciou: sua inabalável crença no
amor e seu amor somente por mulheres.
Tchello d’Barros
Arte: William Charles Dobson – Kezya - 1881
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