julho 21, 2014


GRUDE DE BALAS TOFFE

A bala toffe gruda no céu da boca. Num canto da sala o ramo seco de folha de palmeirinha que minha irmã Nice deixou para secar depois da missa de ação de graças pelo dia de Ramos. A bala toffe flutua de um lado para o outro da boca. O doce. O ar. O contentamento de poder sorver a manhã através da janela aberta. Deixo entrar a luz. A bela luz.

A bala toffe aperfeiçoa-se numa pasta grudenta tomando a forma de um pastiche nos dentes de trás. Nunca se sabe se o dia da vitória é o dia da derrota. Ganhar e perder se diferenciam pelo lado tênue de uma moedinha. O conferir das compras faz com que a lata de massa de tomate fosse observada como ausente. Com isto lá se vai o bom humor.

Há clorofila no final do arco-íris. Enquanto o doce na ponta da língua se iguala aos bons momentos do tempo do ginásio. Vejo ao lado da piscina aquela deusa que se prepara para o mergulho desde o mais alto ponto do trampolim. A moça de biquíni preto pula na piscina. Há poesia no ar. O delírio de quem mergulha é acompanhado do arfar. O ar vem depois.  

Na fusão, o grude. Prometemos um ao outro que o casamento não aconteceria. O tal noivado era apenas de brincadeirinha. Nossas alianças foram emprestadas dos puxadores de latinhas de cerveja. Ela e eu. Olhávamos para os pobres círculos metálicos como a conferir o desastre. Depois nos casamos de verdade. Anos de porfia. Sem alianças.

No calçadão à beira-mar. O algodão doce saiu quente e formou uma bola imensa de doce rarefeito. Sua boca ávida sorveu a frágil bola. Não tarda você engorda e perde a linha que lhe confere eterna juventude. Ainda mais que adora balas toffe. Encontrei um desses arremedos de goma que estava grudado na beira da pia do lavabo. Foi você? Não foi?

Cadeiras vazias nas mesas vazias. O inverno está castigando com vento gélido os monturos de areia na praia deserta. Só uma gaivota caminha por ali. Ao longe a neblina esconde o mar. Faz tempo que não nos vemos. O divórcio é como um colar que desfia contas salobras na saliva. A bala toffe não tem utilidade. Hoje. A bala toffe luta com o fel da boca.

Existo um cobiçar distraído através das persianas. As imagens gritam lá fora. As farpas de néon são as que mais me doem. Precisas, completas, sofisticadas. Para luzi-las a cidade dorme em sombras. Anoitece em idéias coloridas que se esvaem sem nunca findarem. O néon faz toffe na boca do céu. Mais além. Ao grude de criar estrelas. O infinito baba.


Beto Palaio



Arte: Bruce Nauman - Arranjos Vulneráveis - Néon.

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