ARTE. ELA ERA SIM
Arte. Ela era sim. Ela era uma tiazinha
faceira. Aos tantos aninhos. Linda feiticeira. Péssima benzedeira. Ótima catimbeira.
Adorava saborear pipoca salgada ao exagero. Comia batatas chips fazendo ruídos.
Tomava coca-cola direto da latinha. Arrotava discretamente, ou não. Comprava
brigas alheias. Por muito pouco se amedrontava. Irrompia em promessas a
madrugada ao pé de uma vela acesa. Ela era como a arte que parturejava novas
incursões para despojamento em espelho próprio.
Arte. Ela era sim. Ela era do barulho. Era um
samba-sincopado. Um samba-de-breque. Um samba-canção. Um ziriguidum. Um
pega-prá-capar. Uma cotovia ciscando feno. Uma galinha nas noites paulistanas.
Um saco de pancadas dos outros. Uma tentação. Uma mãe extremosa. Um anjo. Ela
era sempre rancorosa e corria desajeitada de salto alto. Assim como
etiquetava, controlava e era do contra: se sim, não. Se não, sim. Ela era como
a arte que adentrava funduras alheias sem sequer sentir rancor em remexer
velhas feridas.
Arte. Ela era sim. Avoada que só vendo. Sonhava
sempre que estava mergulhando numa piscina sem fundo. Formava logo uma opinião
sobre alguém desconhecido: ou prestava, ou não prestava. Ela era uma procissão,
fazendo caras e bocas, gostava de pregar peças, casear, chulear e arrematar. Confiava
demais nas suas opiniões e não compartilhava do sexto sentido alheio. Ela era
fina e flor e sol e chuva e dias inteiros. Ela esperava sempre por melhores
momentos. Ela era como a arte que encetava a moral na sala de estar para depois
se desfazer em pecados no piso da área de serviço.
Arte. Ela era sim. Ela era solitária. Andava
pisando ovos. Cercava-se de conflitos alheios. Fingia-se de inocente.
Adorava ser a primeira nas filas. Comprava gato por lebre. Era extremamente
submissa. Era desajeitada fazendo sexo. Queria chegar logo ao orgasmo. Mas
ela nunca gozava. Ela era um texto escrito, segundo impressões e lugares.
Elevava-se à nona potência se o assunto era sobre o amor. Mas não tinha paz,
pois apresentava-se como fonte, como guerra, como fome, como partilha, como
meiga e como megera. Ela era como a arte que se mostrava nas paisagens de reles
calendários sem perder o brilho das grandes inaugurações.
Arte. Ela era sim. Ela era feliz até demais.
Ela era um prêmio Nobel. Entendia de psicologia. Amava textos adocicados.
Detestava trocadilhos. Fazia-se de tonta. Adorava chupar mangas no pé.
Acreditava em Deus.
Sonhava acordada. Tinha uma bússola. Nunca mostrava seu lado
mau. Era alegre somente enquanto triste. Ela era filha prestimosa.
Guardava os boletins de sua escola primária. Queria rasgar as cartas da amante
de seu pai. Ficava horas no escuro de seu quarto. Tinha medo de andar no Metrô.
Medo de trovoadas. Medo de cruzar o Atlântico. Mas arrojava-se em
ser só e independente. Ela era como a arte que se despojava na areia
da praia em dia de sábado para se apresentar alegre e esfuziante na fila de
ponto da fábrica de tecidos nas manhãs de segunda-feira.
Beto Palaio
Arte:
Frida Gustavsson na campanha de Nina Ricci.
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