O ROTEIRISTA E A ESTRELA
Disse que não faria diferença. Nem
seguiu a multidão. Preferiu andar ao meu lado. Depois de um tempo revelou que
morava só. Queria ir ao cinema. Queria comer um hambúrguer. Queria me namorar.
Insistia nisso de me namorar.
O tempo frio favorece a mão que te
acolhe. Passo o tempo com ela num apartamento pequeno. Sua foto ampliada foi
colocada na parede vazia. Sonhava que seria estrela. A oportunidade é esta.
Escrevo-lhe um roteiro. Naquela mesma tarde.
Ela leu o roteiro improvisado num
guardanapo de papel. No nosso filme ela sai do banheiro nua após um demorado
banho de chuveiro. Ali ela pediu que eu também tomasse um banho com ela. Não
estava no roteiro. Mas quem se importa?
Não posso fazer esse filme. Não
estou pronta ainda. Tenho de voltar para minha cidade em Minas. Estou
preocupada com minha mãe. Se você quiser eu te apresento para minha família em
Minas. Eles nunca viram um roteirista antes.
Não quis dirigir o Chevette. Ela
dirigiu o tempo todo. As estradas de terra de Minas estavam secas. Olho para
trás e vejo a poeira que voa. Estamos cruzando um pasto. Algumas vacas estão no
meio do caminho. Espanto-as com pedras na mão.
Como um destino do coração. Ela
explica para a mãe na cozinha. Posso ouvir da sala. Acho que o pai dela também
ouve. O café recém coado perfuma a casa toda. Ela fala para a mãe que sou
namorado dela. Jura que sou a pessoa certa. Agora sim.
A casa era simples. Construída de
pau-a-pique. Uma luz baça cruzava a porta da sala e ia receber os esfumaçados
do fogão a lenha desde a cozinha. Tudo estava tão lindo. Um cão dormia na porta de
entrada. Um pássaro cantava o tempo todo lá fora.
Mais tarde fomos passear a beira de
um lago. O céu estava azul demais. Ela me pediu para ficar bem junto dela. Os
pais estavam olhando de longe. Ela segurou meu rosto com as palmas das mãos a
me envolver. Sua língua tocou a minha. Gostei.
Ao voltarmos Minas pareceu pouco
acolhedora. Chovia o tempo todo. Eu a conhecia fazia menos de uma semana. E já
estava sendo apresentado a seus pais. Perguntei o motivo. Ela disse que um
homem era o dono dela. Ele a mantinha em São Paulo.
Depois me descreveu a cena toda.
Esse homem era um rico industrial. Era casado. Mantinha aquele apartamento
alugado. Era extremamente ciumento. Andava armado e tinha o gênio ruim. Ela me
pedia proteção. Não sabia mais o que fazer.
Passei a semana sem pensar na moça
que seria artista de cinema. São Paulo estava acelerada como sempre. Atravessei
as ruas do Centro. Vi de longe a janela do apartamento dela fechada. Perguntei
ao porteiro. Ela foi embora. Ele disse.
Volto para a rua com meus desejos e
temores. Um capricho do coração dessa moça. Havia sido apenas isso. Uma imensa
lua nascia para os lados da Consolação. E depois. Quis ver um filme. Entro
sozinho no Marabá. Dormi ali o filme inteiro.
Beto Palaio
Foto: parede de pau-a-pique, autor desconhecido.
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