julho 03, 2014



O CANDIDATO

Impertinente. Quanta impertinência. Que petulância. Há perguntas que não podem ser feitas. Muito menos respondidas.
Já enfrentei coisas assim outras vezes, mas esta aqui é demais. Como está minha boca, meus olhos, a posição da minha cabeça? O ar de sorriso é suficiente? Estou piscando muito? Minhas mãos, como estão? Não posso vê-las, não posso baixar os olhos agora.

Não posso sequer me mexer, tenho de parecer absolutamente verossímil.

Ah, um espelho. Meus votos por um espelho. Ah não, isto não. Só quero alguém que me diga "você está bem, tudo está indo muito bem". Eu pago.

O terno tem bom caimento? A gravata está no centro da gola?
Opa, meu ombro... meu ombro esquerdo...
Pára de tremer, ombro.

Pronto. Tudo está parado, estanque, calmo. Estou calmo e acho que pareço o mais verdadeiro dos mortais. Minha mulher sempre acreditou, minha amante também. Elas acreditaram. Todos acreditaram sempre.
Estou sereno. Estou muito sereno agora e já posso responder. Vou-me inclinar devagar para o microfone e responder sucintamente em voz firme, segura mas gentil. 

Vamos lá:

- "Não, meu caro repórter... Não."



Jane Chiessi Zandonadi


Ilustração: Antonio Nássara

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