SEGUNDO MATISSE
Em dado momento eu finjo que estou viva e
escuto um tango, estendo roupas vermelhas e danço, tímida, na área de serviço.
Ninguém me vê, nem responde aos meus quadris.
Não se sabe quanto de tambores e cornetas eu
tenho nos seios, quanto de púrpura no ventre, quanto de mãos no teclado.
Num certo momento da audição de tantos Tom
Waits e lembrando-me dos Flintstones eu me viro para a porta e saio, em shorts
de jeans e blusa sintética, a cheirar o corredor do prédio em desembalada
carreira unificadora pensando em rochas e mares. Conto conchas e me espraio
lânguida no vermelho das toalhas de banho e os lençóis ao vento tímido do
varal. Os gestos dos braços são mais largos que os das pernas, claro, claro,
claro está.
Festa dos óculos pra se enxergar de perto e
aquele esmalte transparente, algumas manchas no sofá azul com cheiro de
guardado e suspiro nas almofadas grudentas que de longe nem enxergo as manchas,
e nem as minhas manchas do cabelo ou do rosto, e o que vale mesmo é a destreza
do pensamento, mas que pensamento se a cerveja nem está gelada? Que aperto
escolher para desabar em palavras?
Por que eu guardo o meu leque perto daquela
rolha idiota de champanhe? Um psicólogo diria que é um sintoma. De movimento
hemorrágico, talvez? De pescoço pro alto, boca aberta e olhos fechados? Que
sinais escondem os signos dos guardados inúteis?
Quanto ainda suportar este arfar do peito e as
pernas fechadas?
Bendito Piazzola.
Jane Chiesse Zandonadi
Arte:
Henri Matisse – A dançarina - 1938
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