julho 06, 2014


A FACE FACEIRA

Não vou dizer que ela é bonita. Prefiro dizer que era bonita, como se fosse no passado ou como se ela já não estivesse entre nós, tanto faz. Vez em quando mudava o corte de seus cabelos louros, muito finos, cheirosos, cor de corda crua. Rapunzel pós-moderna. Gostava de vê-los ao sol do fim de tarde, quando adquiriam uma tonalidade de ouro. Mas a lisura de sua face eu preferia ver pela manhã, cuja luminosidade denunciava um cálido brilho de mármore, textura de porcelana, tez de areia clara. Nas maçãs do rosto, nuas nuances de pêssego. Gostava de passear o olhar demoradamente pela pele de seu rosto, sobrevoar aquele semblante sublime, que ora revelava uma pequena pinta, aqui ou ali, ora apresentava relevos e declives, como sua testa levemente arredondada, quase sempre escondida pelas douradas madeixas, testa que descia para um nariz equilibrado, elegante. Um pouco mais ao sul, aquele par de lábios naturalmente rubros, duas pétalas úmidas de tulipas escarlates, cujos breves sorrisos tímidos, revelavam um colar de pérolas e acentuavam o raro róseo das bochechas. Pousava minha atenção sobre aqueles lábios túmidos, tépidos, que mesmo silentes pareciam sussurrar segredos. Vistos de lado, um morango orvalhado. De frente, um coração dobrado. Um pouco mais ao sul, o queixo de curva suave, cujas linhas de contorno se prolongavam até encontrar as pequenas orelhas, vigiadas por brincos discretos, que se escondiam entre aqueles cabelos que emolduravam sua face de esfinge. Mas é preciso falar de como eu acompanhava o desenho de suas sobrancelhas, de tons castanhos, simetricamente arqueadas, afinando nas pontas, com os fios perfilados como jardins próximos ao oásis de seus olhos. Deles, vou revelar apenas que aquele par de mandalas fugazes eram guarnecidos por um conjunto de cílios arredondados, que ao piscar das pálpebras pareciam duas pequenas folhas de palmeira a cobrir aqueles olhos inocentes, indecentes, incandescentes. Conforme a luz do ambiente, era possível notar pequenas mudanças na cor da íris, cujos detalhes mínimos mais pareciam tintas na paleta de um pintor que misturasse tons entre o jade e o esmeralda, com breves pinceladas de azul e prata. Quando menstruava, as pupilas diminuíam e eles ficavam ainda mais claros, mais luminosos. Duas certezas me confidenciou: sua inabalável crença no amor e seu amor somente por mulheres.


Tchello d’Barros



  Arte: William Charles Dobson – Kezya - 1881

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