junho 04, 2014




ABÃNEEGA PITUBA XERÉM, DISSE COBRA NORATO

(Parte 2)


Só quem viu é que pode contar. Naquela tarde de Domingo, Miss Toranja veste-se de rendados escandalosos. Trança seus cabelos longos em ofertas faceiras da pomba-gira. O magnetismo da saudade morde os anos 2000 com um retrô de Gabriela Cravo e Canela. Choveu e relampejou na Lapinha. Enquanto o povo corre atrás da bola. Chá de limão, vitamina C e cama. Pimba na jurema da morena seriema. A chama do amor, tal tocha das olimpíadas, nunca se apaga. Bandoleiro caipirinha dom quixote valiente de nuestros desertos. Hay gobierno, yo soy contra. O homem é o capacho do homem. Ovacionado. Tengo-Tengo andava amasiado com uma índia danada de linda. Capengava ele na barriga da noite, sob a mata fechada da Mantiqueira, touceiras que se  adivinha no escuro, caçando favos de mel, em passos de Fred e Ginger. Por outro lado. Ao pressentir a ordem subjacente, Cobra Norato fazia mimos de lua nova na noite trevosa das Sete Quedas. Em contraponto, Miss Toranja sozinha caminha pelas dunas insones do Jalapão. É que habituamo-nos, desde o primeiro livro inscrito em pele de carneiro, a colocar os heróis distantes um do outro. No entanto a obrigação é o espaço mais fundo que existe. Neste convocatório. Toca um oboé. Pássaro noturno com quem Tengo-Tengo jurou fazer dueto com sua flauta. Hoje o Riacho Doce, ao gritar nos grotões, põe sustos. Diz o nome repetido do espichar da cobra mítica. Embora Cobra Norato se encontre a meio caminho. Em chuvas de confetes e serpentinas. Ele passa pela catraca para ver o Rei Robert Charles em Aquidauana. Ao persistir na brasa da Jovem Guarda, num entusiasmo práfrentex, o Norato compra uma charrete pintada com um dístico vermelho e amarelo no qual a figura de um demo emplumado incita um “quero que tudo mais vá para o inferno”. Depois compra um cavalo branco em Cuiabá. Depois encontra ferraduras de prata em Goiás Velho. Na ilusão do ki-suco pronto, ele senta para respirar em língua Tupi—abana eu nega: abãneega pituba xerém—diz Cobra Norato, já dentro da Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Num tiquinho de nada. Norato ocupa uma cadeira de Deputado Federal. Dali ele convoca Tengo-Tengo para um negócio de esticar verbas públicas com máquina de asfaltar ruas. Sopra um vento quente no Mirador. Miss Toranja também fincou mudança para Brasília. Aqui não tem ladeiras? Ela perguntou para o Deputado Cobra Norato. Ele ficou sem saber o que dizer. Convocou uma reunião extraordinária. Toda verba do ano vindouro seria utilizada para montarem uma forjaria de morros artificiais para a Capital da República.



Beto Palaio



Ilustração: Nelson Leirner - Adoração (altar para Roberto Carlos) - 1966

Nenhum comentário: