ABRA OS OLHOS,
INOCÊNCIA
Renasce a esperança tal um pedaço de
cedro-rosa que, fincado ao chão, pode brotar e voltar a ser árvore. Algum
tempo depois, a mãe perguntou para Inocência o que ela estava
achando da nova casa. A situação era de caos. Acabaram de se mudar de Teodoro
para o Leblon, onde agora estavam as duas às voltas com inúmeros pacotes e
caixas de papelão repletos de coisas. Naquela barafunda de ofertas indefinidas,
Inocência sentou-se numa das caixas de papelão e chorou copiosamente.
- Mas o que é isso agora, minha filha?
Lá fora o sol secava o chão de uma chuva
recente. Um murmúrio de vozes indefinidas e o som surdo do mar que bate incansavelmente
de encontro à areia. Inocência sentia-se liberada, mas não literalmente, do
sufoco de mudar-se novamente para uma nova casa. O que mais poderia ser
argumentado nesse conto onde uma personagem está cansada de mudanças? Isto, ao
menos, isto: a bela Inocência chora sobre caixas de papelão, algo originado,
talvez, no resumo do que se sabe, de Inocência haver sido casada duas vezes,
além de ter tido um caso com um taxista, dividido sua cama com uma mulher de
fases, morado junto com dois jovens estudantes—ser abandonada por eles—para
finalmente haver morado com um senhor de setenta e cinco anos, de quem agora
era viúva.
- Enquanto sou uma pessoa cordata, isso é bom,
mas se me sentir esgotada ao ponto de doer-me a região lombar, isso é mau...
De todos os odisseus do amor. Aquele senhor
aposentado. Dotado de infinita paciência. Quase um monge nas suas atitudes
equilibradas. O fiel da balança. Em cuidados de mais valia. De qualquer forma
que se imaginasse. Jamais praticou sexo com ela. Entretanto. Como que dotado de
suas próprias ferramentas. Ao abordar o deserto humano e suas futilidades.
Aquele senhor que contava apenas com o cartão do SUS como seu arrimo de saúde.
Veio de ser a sua árvore no meio do vazio urbano. Uma árvore que nasceu
fruitivamente no quintal de Inocência. Sempre sendo positivo, como nos dias em
que este senhor convidava Inocência para sair:
- Inocência, você quer sair para passear?
Cumprimente o novo dia. O sol nasceu, o céu está azul...
- Não me sinto bem... Me acho tão feiazinha
hoje...
- Você é linda assim como é... Não inventa
moda... Venha, vamos sair para brindar a brisa da praia...
Inocência, em geral, cedia aos caprichos
daquele clérigo temporão. Ajeitava uma improvisada cesta de piquenique e seguia
aquele senhor a subir encostas pedregosas no Leme, Joá ou Itaipuzinho.
- Olhe em volta, Inocência... O vento está
calmo hoje... Viu aquela gaivota?
Sob aquela afável influência. Ela passou a ter
essa mania de olhar em volta. Estivesse onde estivesse, atenta ao belo,
Inocência olhava sempre ao redor, mesmo dentro de um elevador lotado.
- Abra os olhos, Inocência... Use sempre da
sabedoria... Você é parte de tudo isto... Uma parte indissolúvel de tudo o que
foi criado...
Então, foi neste período de pequenas
felicidades compartilhadas, que Inocência conheceu o taxista. Este sendo o
oposto do seu marido, pois era um homem bruto e intempestivo. Nada sabia das
veleidades das nuvens brindarem com cores, num por de sol, um campo de
margaridas repleto de borboletas e joaninhas. Pelo contrário, tomava Inocência
com vigor, jogava-a contra uma parede, fosse num beco, fosse num desvão de
escadaria, ou mesmo na área de serviço, entre a máquina de lavar e o tanque de
cimento. Para então levantar-lhe a saia. Apresentar-lhe o membro pulsante, e
fazê-la sentir-se a mais feliz das fêmeas. Em geral, a partir dessa exemplar
surra de sortilégios carnais, Inocência amanhecia lépida, sonhadora e
sentindo-se definitivamente linda.
- Mas que rostinho feliz... Sim, você está
muito linda hoje, Inocência... Muito mais do que você pensa... Então, vamos
passear? Cumprimente o novo dia... Sim, você tem razão, hoje as nuvens
certamente estarão imitando as flores... Quem sabe rosas de cor champanhe e
crisântemos... Isso é o que precisamos conferir... Vamos?
Beto Palaio
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