HOTEL LUZ DEL FUEGO
No final daquela madrugada. Logo assistiremos.
Uma revanche de 10 anos de traição amorosa em 2 horas de puro orgasmo. Todo
empenho do amor traído e abstraído. Das ruas, outdoors, silvos, cantarias,
nichos, pedriscos, bailes de periferia. A decadência passava longe de ser
instituída no dia de hoje. O porteiro do hotel examina o livro de registro no
balcão de atendimento. A Sra. Labasque entra acompanhada de um homem atlético
que usa óculos escuros em plena 3 horas da manhã, e eles discutem se foi ou não
uma tremenda gafe tentarem se hospedar naquele hotel. O casal, disfarçando um
soninho de bocejos explícitos, senta para discutir o assunto, mas em confiante
espera, bem ali na portaria do Hotel Luz del Fuego. O porteiro continua sentado
no seu tamborete, enquanto a Sra. Labasque e seu acompanhante aguardam no
horrível sofá cor-de-rosa do hall de entrada. Por muito pouco a Sra. Labasque encrencou
com o porteiro. Depois eles apanharam a chave do 702 e se afastaram. Então a
festinha acontece. Mas não antes da Sra. Labasque trocar de personalidade ao adentrar
aquele quarto de hotel. Ela olhou-se no espelho fixo da parede. Quis fazer
sentido diante de seu atraso em fazer amor. Isto sem perder a pose de mulher
séria. Ela assistiu naquele espelho a sua própria imagem numa sucessão de escamas
que a tornavam uma sereia especialmente esdrúxula. A Sra. Labasque trocava de
pele. Agora ela era uma alegre feiticeira, toda produzida em lingerie negra,
especialmente feliz em estar traindo seu marido, um que não valia um tostão
furado, na opinião dela, mas que se arrogava de ser o advogado criminalista
mais importante da cidade, o Dr. Jabor Labasque. Lá fora o luminoso do Hotel
Luz del Fuego, na fraca claridade que desperta o Rio de Janeiro, empresta néons
à neblina da manhã.
Eternamente é uma palavra que dura só um pouquinho.
Tudo pelo motivo de ninguém mais envolver a bela Serena nos compromissos do
coração. Ela olha para o homem adormecido entre os lençóis do Hotel Luz del
Fuego. “Que bandido!”, Serena pensa isso. Não está claro para ela o quanto
Jabor está comprometido com a venda de influências legais no Rio de Janeiro.
Uma roda-viva que coloca o advogado Jabor Labasque dentro do esquema da justiça
que prende e do habeas-corpus que liberta. O momento latejante que atravessa é
mesmo infernal. No entanto, Jabor falara algo terrível durante o sono que
Serena ouvira claramente. Essas frases soltas ficam martelando em sua mente:
“só eu sei quem matou Márcia Labasque”. Aquele assunto não deixava de constar
nos tabloides da cidade. Nunca que chegavam a um acordo sobre quem seria o
matador da esposa do importante advogado. Para Serena, embora a frase de Jabor
tenha sido bastante esclarecedora, no fundo não queria dizer muita coisa.
Afinal, ele “saber quem matou sua esposa” seria uma declaração bastante
superficial. “Jabor poderia facilmente argumentar que o que ele “sabe” é o que
leu pela imprensa”, pensou Serena acendendo um cigarro, ainda observando Jabor
Labasque que agora dorme ao seu lado. Ela poderia acusá-lo, mas não está claro
para ela se a acusação o encheria de raiva em vez de culpa. Assim é que Serena
liga para a portaria e pede uma dose de uísque. Logo alguém bate no 805 do Hotel
Luz del Fuego, após o que Serena volta a sentar-se na cama, acomodada pelo
travesseiro que coloca às costas, onde sorve lentamente o seu uísque preferido.
Isto mais se parece com uma armadilha.
Entretanto, pensando bem. Respiro a energia do sim. “Sim, eu vou”. Na hora combinada
ele passou no meu escritório. Mas que harmonia insana eu tenho dentro de mim.
Vi quando ele estacionou seu carro na rua em frente. “Vou ou não vou?”, pensei
na hora em fugir, e até em me esconder. “Esse moço faz o que quer de mim. Será
que não tenho mais vontade própria?”. Patricinha Labasque faz charminho, mas na
verdade nunca tinha ido a um hotel de encontros. “Será que aceito?”, Patricinha
pensou, depois logo se preocupa em fechar a porta do escritório de advocacia de
seu pai, o notório Jabor Labasque, mas não sem antes colocar na bolsa alguns
produtos de beleza, como o perfume que gosta ou seu batom preferido. “O que
você vai fazer comigo?”, ela pergunta para Ronald assim que entra no carro.
“Vamos tomar chope no Barril 1800”, ele diz e olha para ela fingindo que o
assunto principal, o de irem juntos para um quarto de hotel, não fosse algo
importante. Pouco depois, com uma taça de chope à sua frente, Patricinha olha
em direção à praia de Ipanema. Finge que aprecia o fim de tarde que leva os
últimos banhistas se afastarem da areia. “Socorro!”, ela pensa. Logo ele vai
novamente me fazer a proposta. Ela se arrepiou inteirinha. Ronald aparentava
não dar importância ao fato. Tinha um pouco de espuma de chope nos lábios
quando falou para ela: “não esquenta com isso”. Patricinha Labasque pensa mesmo
em dizer não. “Será que ele imagina que sou alguma safada?”. O moço parecia
adivinhar suas questões mais íntimas. Disse que ele não se importaria se não
fossem naquele dia. Disse para ela não se preocupar com isso. Disse que gostava
demais dela. Disse que o que ela decidisse estava decidido. “Ah que alívio, ele
está me ajudando a decidir, então eu não vou. Não vou não”. Sua respiração está
ofegante quando entraram no carro. “O que quer fazer?”, Ronald lhe pergunta.
“Nós vamos, eu quero, vamos sim”, rapidamente respondeu Patricinha. Então o
carro deles foi aos poucos se afastando do tráfego de Ipanema, cruzando praças
e viadutos, enquanto seguia em direção ao Hotel Luz del Fuego.
Beto Palaio
Arte:
Thomas Saliot – Olhando na janela - 2013
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