junho 26, 2014


HOTEL LUZ DEL FUEGO

No final daquela madrugada. Logo assistiremos. Uma revanche de 10 anos de traição amorosa em 2 horas de puro orgasmo. Todo empenho do amor traído e abstraído. Das ruas, outdoors, silvos, cantarias, nichos, pedriscos, bailes de periferia. A decadência passava longe de ser instituída no dia de hoje. O porteiro do hotel examina o livro de registro no balcão de atendimento. A Sra. Labasque entra acompanhada de um homem atlético que usa óculos escuros em plena 3 horas da manhã, e eles discutem se foi ou não uma tremenda gafe tentarem se hospedar naquele hotel. O casal, disfarçando um soninho de bocejos explícitos, senta para discutir o assunto, mas em confiante espera, bem ali na portaria do Hotel Luz del Fuego. O porteiro continua sentado no seu tamborete, enquanto a Sra. Labasque e seu acompanhante aguardam no horrível sofá cor-de-rosa do hall de entrada. Por muito pouco a Sra. Labasque encrencou com o porteiro. Depois eles apanharam a chave do 702 e se afastaram. Então a festinha acontece. Mas não antes da Sra. Labasque trocar de personalidade ao adentrar aquele quarto de hotel. Ela olhou-se no espelho fixo da parede. Quis fazer sentido diante de seu atraso em fazer amor. Isto sem perder a pose de mulher séria. Ela assistiu naquele espelho a sua própria imagem numa sucessão de escamas que a tornavam uma sereia especialmente esdrúxula. A Sra. Labasque trocava de pele. Agora ela era uma alegre feiticeira, toda produzida em lingerie negra, especialmente feliz em estar traindo seu marido, um que não valia um tostão furado, na opinião dela, mas que se arrogava de ser o advogado criminalista mais importante da cidade, o Dr. Jabor Labasque. Lá fora o luminoso do Hotel Luz del Fuego, na fraca claridade que desperta o Rio de Janeiro, empresta néons à neblina da manhã.

Eternamente é uma palavra que dura só um pouquinho. Tudo pelo motivo de ninguém mais envolver a bela Serena nos compromissos do coração. Ela olha para o homem adormecido entre os lençóis do Hotel Luz del Fuego. “Que bandido!”, Serena pensa isso. Não está claro para ela o quanto Jabor está comprometido com a venda de influências legais no Rio de Janeiro. Uma roda-viva que coloca o advogado Jabor Labasque dentro do esquema da justiça que prende e do habeas-corpus que liberta. O momento latejante que atravessa é mesmo infernal. No entanto, Jabor falara algo terrível durante o sono que Serena ouvira claramente. Essas frases soltas ficam martelando em sua mente: “só eu sei quem matou Márcia Labasque”. Aquele assunto não deixava de constar nos tabloides da cidade. Nunca que chegavam a um acordo sobre quem seria o matador da esposa do importante advogado. Para Serena, embora a frase de Jabor tenha sido bastante esclarecedora, no fundo não queria dizer muita coisa. Afinal, ele “saber quem matou sua esposa” seria uma declaração bastante superficial. “Jabor poderia facilmente argumentar que o que ele “sabe” é o que leu pela imprensa”, pensou Serena acendendo um cigarro, ainda observando Jabor Labasque que agora dorme ao seu lado. Ela poderia acusá-lo, mas não está claro para ela se a acusação o encheria de raiva em vez de culpa. Assim é que Serena liga para a portaria e pede uma dose de uísque. Logo alguém bate no 805 do Hotel Luz del Fuego, após o que Serena volta a sentar-se na cama, acomodada pelo travesseiro que coloca às costas, onde sorve lentamente o seu uísque preferido.

Isto mais se parece com uma armadilha. Entretanto, pensando bem. Respiro a energia do sim. “Sim, eu vou”. Na hora combinada ele passou no meu escritório. Mas que harmonia insana eu tenho dentro de mim. Vi quando ele estacionou seu carro na rua em frente. “Vou ou não vou?”, pensei na hora em fugir, e até em me esconder. “Esse moço faz o que quer de mim. Será que não tenho mais vontade própria?”. Patricinha Labasque faz charminho, mas na verdade nunca tinha ido a um hotel de encontros. “Será que aceito?”, Patricinha pensou, depois logo se preocupa em fechar a porta do escritório de advocacia de seu pai, o notório Jabor Labasque, mas não sem antes colocar na bolsa alguns produtos de beleza, como o perfume que gosta ou seu batom preferido. “O que você vai fazer comigo?”, ela pergunta para Ronald assim que entra no carro. “Vamos tomar chope no Barril 1800”, ele diz e olha para ela fingindo que o assunto principal, o de irem juntos para um quarto de hotel, não fosse algo importante. Pouco depois, com uma taça de chope à sua frente, Patricinha olha em direção à praia de Ipanema. Finge que aprecia o fim de tarde que leva os últimos banhistas se afastarem da areia. “Socorro!”, ela pensa. Logo ele vai novamente me fazer a proposta. Ela se arrepiou inteirinha. Ronald aparentava não dar importância ao fato. Tinha um pouco de espuma de chope nos lábios quando falou para ela: “não esquenta com isso”. Patricinha Labasque pensa mesmo em dizer não. “Será que ele imagina que sou alguma safada?”. O moço parecia adivinhar suas questões mais íntimas. Disse que ele não se importaria se não fossem naquele dia. Disse para ela não se preocupar com isso. Disse que gostava demais dela. Disse que o que ela decidisse estava decidido. “Ah que alívio, ele está me ajudando a decidir, então eu não vou. Não vou não”. Sua respiração está ofegante quando entraram no carro. “O que quer fazer?”, Ronald lhe pergunta. “Nós vamos, eu quero, vamos sim”, rapidamente respondeu Patricinha. Então o carro deles foi aos poucos se afastando do tráfego de Ipanema, cruzando praças e viadutos, enquanto seguia em direção ao Hotel Luz del Fuego.


Beto Palaio



Arte: Thomas Saliot – Olhando na janela - 2013

Nenhum comentário: