BYE BYE, CECY NOUS
ALLONS
A caveira do Van Gogh havia sido remexida.
Começa aqui a desventura de ter de contar uma estória nova. Totalmente nova.
Bem vindo ao frenesi do que é apropriadamente aninhado nas mãos de quem conta
uma estória nova. O tema estava voando como uma andorinha no ar de viver.
Descemos pelas escadas laterais de uma ponte enquanto a curiosidade estava
caprichosamente vindo de roldão, a flutuar nas águas revoltas da inventividade.
Ao ajuste do que se descreve, encontramos uma pista para ser decifrada num
jardim público de Auvers-sur-oise. Qual melhor definição de liberdade do que
poder correr à toda pelos campos repletos de trigos maduros? Porém, havia ali
um grande segredo. Tão imenso quanto a catedral de Ruão. Há algum adequado
propósito para se ocultar um segredo dessa magnitude? A curiosidade nasceu na
paz de observar um desenhista anônimo no tracejo do rosto angelical de uma
jovem que estava de passagem pela praça principal de Auvers-sur-oise, a
cidadezinha que por último abrigou o pintor impressionista Van Gogh. Um beija
flor brindava a face de Cecy Nous Allons. Ela não havia visto o desenho ainda.
Nem sabia que seu rosto se tornara uma flor para o deleite daquele pequeno
pássaro tropical.
- Preciso terrivelmente de você... O quanto
antes melhor...
Cecy escrevia para Peralta, que era como o pai
de Cecy chamava seu namorado. Ela desabafa com Peralta que se sentia
prisioneira do próprio pai, pois desde que sua mãe morrera era ela, somente
ela, quem cuidava de tudo enquanto o pai dirigia os encargos mais pesados da
fazenda.
Cecy esperava o campo
ser arado. Seu pai prometera que depois do campo ser arado, ela poderia se
casar e ir morar em Paris para poder seguir sua própria vida.
O campo foi arado e
nenhuma chance surgiu para que Cecy se casasse e mudasse para Paris.
Cecy esperava o trigo ser semeado. Seu pai prometera
que depois de terminada a semeadura, ela poderia mudar para Paris, e então
seguir sua própria vida.
O campo foi semeado,
mas nenhuma chance surgiu para que Cecy se casasse e mudasse para Paris.
Cecy esperava a colheita do trigo. Seu pai
prometera que quando a colheita chegasse, ela poderia mudar para Paris para se
casar e iniciar vida nova.
O trigo amadureceu e
foi colhido, mas nenhuma chance surgiu para que Cecy se casasse e mudasse para
Paris.
Cecy esperava o trigo ser armazenado. Seu pai
prometera que quando o trigo ficasse no resguardo dos armazéns, ela poderia
mudar para Paris e seguir sua própria vida.
O trigo foi
armazenado, mas nenhuma chance surgiu para que Cecy se casasse e mudasse para
Paris.
Cecy esperava o trigo ser vendido. Seu pai
prometera que quando a colheita fosse comercializada ela poderia mudar para Paris
e seguir sua própria vida.
O trigo foi vendido e
nenhuma chance surgiu para que Cecy se casasse e mudasse para Paris.
Cecy estava impaciente. Escreveu para Peralta
dizendo que rezava todos os dias para algo de novo acontecer, algo que fizesse
seu pai mudar de idéia, pois tudo o que fora prometido pelo pai nunca se
cumpriu. Agora o campo estava novamente sendo arado. Mas neste ano os discos de
arado do trator bateram em algo duro que estivera enterrado no campo de trigo.
A aragem foi sustada. Diante do que viu, o capataz da fazenda chamou pelo pai
de Cecy, o qual logo chamou as autoridades. Os discos de aragem tinham
descoberto um esqueleto humano bem no meio do campo de trigo.
- Não pode ser o esqueleto do Van Gogh... Disse
o delegado que veio de Auvers-sur-oise para registrar o caso.
- Como tem tanta certeza?... Perguntou o fazendeiro.
- O corpo de Van Gogh foi enterrado com seu
irmão Theo em Auvers, disto ninguém duvida... Completou o delegado.
O plantio do trigo foi suspenso pelas
autoridades. Cecy Nous Allons foi até Auvers para esperar Peralta. Enquanto ela
espera deixou-se desenhar na praça principal da cidade. Neste exato momento ela
ainda está lá, posando para o desenho que espera ficar bom, pois vai dá-lo de
presente para o seu namorado Peralta.
- Só mais um pouco e já estará pronto... Falou
o desenhista.
- Eu espero, não tem pressa... Retrucou Cecy
Nous Allons.
Beto Palaio
Desenho: Van Gogh - Casal ceifando e enfeixando o trigo - 1885
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