junho 15, 2014


ARTEDEITADAFICADEPÉ E OS NEANDERTAIS

Era uma vez um começo de estória. A vidinha pré-histórica parecia um longo feriado nacional. Gentes e mais gentes preocupadas em perseguir bisões e mamutes com pedras nas mãos. Artedeitadaficadepé acordou no sono neandertal. “Ô, ô, ê, ê... Amanhã ensino o beabá para esses matutos”. Ela sempre dizia isto, mas nunca que ensinava nada. Acontece que lá nessas lonjuras nasceu um dia artesanalmente lindo. Foi quando o sol pintou-se numa medalha brilhante de deslumbrar. “Ô, ô, ê, ê”, disse a Artedeitadaficadepé, a qual tinha um amor danado pelas coisas que deslumbrassem. Esse apego não a impedia de ser plasticamente ineficiente. Planejava, planejava. Implicava de medir e calcular o que ainda não tinha feito: “só tem calhau de pedregulho por aqui. Logo logo eu arteatearei fogo de artedesoxirribonucleica na cabeça dura desses fulanos cabeludos... Mas não agora... Tem tempo, tem tempo”. Isto disse Artedeitadaficadepé. E lá se passaram cinqüenta mil anos sem muito lufa-lufa, onde a professorinha preguiçosa só intentou de apressar a criação da roda como o primeiro objeto artístico útil, em moldes de ser multiplicado ao comum. “Será um móbile sem dono...”, disse Artedeitadaficadepé, “...a roda será um múltiplo comum utilizável como uma praga por toda a eternidade humana”. Artedeitadaficadepé queria se mudar para dentro de outras mudanças. O mundo era seu lugar, mas o seu aluno neandertal estava ainda muito mocorongo e despreparado. “Umas titicas de coisa nanica que logo que eu der um pouco de artesopinha para eles já pensarão que são os donos de mim”. Vinha refletir nisto com uma prorrogação danada de suas obrigações de professora de arteprimáriaprimaveril. Até planejava ficar para sempre nesses descampados providos de cavernas onde os neandertais se recolhiam em dias de nevascas. Isto era onde ela se deleitava, mas aconteceu do deus D de Design, o senhor de tudo, ter outros planos para Artedeitadaficadepé.

- Vamos dar uma avançada nesses neandertais para animar Artedeitadaficadepé...

D de Design consolou os desterrados. Logo ensinou festa de cantoria em volta da fogueira, no estilo quermesse com churrasco de mamute, isto um bom tempo antes do bicho-homem ser dotado de roda. Depois D de Design inventou a fala para que eles contassem suas estórias quando se reunissem para dormir dentro das cavernas. Depois desbarrancou pedras coloridas que os neandertais acharam bonito de urinar em cima delas, mas não sabiam ainda o que fazer com aquele grude. Então D de Design acordou Artedeitadaficadepé que tanto se assustou com a própria inércia, com o que bocejou a invenção da roda, mas depois quis dormir mais cinqüenta mil anos. Foi o deus D de Design quem agitou a pasmaceira de Artedeitadaficadepé sobre a terra colorida urinada:

- Agora é com você, Artedeitadaficadepé, agora é com você!

“A arte é viúva do instante que a gesta, o qual se extingue em seguida”. Coisas desse naipe estava filosofando Artedeitadaficadepé quando D de Design lhe revelou o progresso alcançado pelos neandertais em produzir massa de urina com terras coloridas. Então Artedeitadaficadepé tomou coragem e, enfim, levou-os a pensar em forma e conteúdo. A segunda lição foi mostrar a beleza contida nos matizes e cores daquela terra urinada. A seguir, por fim, revelou como espalhar o grude nas paredes de pedra das cavernas. Foi assim que ela ensinou pintura para os neandertais. 

- Ô, ô, ê, ê...

Depois disto Artedeitadaficadepé foi jogar xadrez com D de Design, assim como o artista Marcel Duchamp jogaria xadrez com sua modelo nua, milhares de anos depois. Ali, entre um lance e outro, eles filosofavam:

- A arte estará sempre no primário da latência... Disse D de Design.

- A arte é um pouco maniqueísta, pois só admite vastidões no bem e no mal... Admitiu Artedeitadaficadepé.

- A arte do aqui agora toca flauta numa festa de rouxinóis do passado... Afirmou D de Design enquanto propunha uma troca de rainhas no jogo de xadrez.

- A arte estará sempre à beira de um cheque-mate... Disse D de Design desferindo um cheque-mate em Artedeitadaficadepé. 

- A arte é apenas uma troca sem limites... Disse Artedeitadaficadepé, ao aceitar a troca das rainhas.

- A arte estará sempre à beira de um cheque-mate... Disse D de Design desferindo um cheque-mate em Artedeitadaficadepé.

Assim sendo, para o que viesse a seguir nesta série de ensinar arte aos humanos, a Artedeitadaficadepé se transformaria em Artetãtãdetambor, mas isto já é outra estória...


Beto Palaio


Foto: arte neandertal de quase 100 mil anos.

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