ARTEDEITADAFICADEPÉ E
OS NEANDERTAIS
Era uma vez um começo de estória. A vidinha
pré-histórica parecia um longo feriado nacional. Gentes e mais gentes
preocupadas em perseguir bisões e mamutes com pedras nas mãos. Artedeitadaficadepé
acordou no sono neandertal. “Ô, ô, ê, ê... Amanhã ensino o beabá para esses
matutos”. Ela sempre dizia isto, mas nunca que ensinava nada. Acontece que lá
nessas lonjuras nasceu um dia artesanalmente lindo. Foi quando o sol
pintou-se numa medalha brilhante de deslumbrar. “Ô, ô, ê, ê”, disse a Artedeitadaficadepé,
a qual tinha um amor danado pelas coisas que deslumbrassem. Esse apego não a
impedia de ser plasticamente ineficiente. Planejava, planejava. Implicava de
medir e calcular o que ainda não tinha feito: “só tem calhau de pedregulho por
aqui. Logo logo eu arteatearei fogo de artedesoxirribonucleica na cabeça dura
desses fulanos cabeludos... Mas não agora... Tem tempo, tem tempo”. Isto disse Artedeitadaficadepé.
E lá se passaram cinqüenta mil anos sem muito lufa-lufa, onde a professorinha
preguiçosa só intentou de apressar a criação da roda como o primeiro objeto artístico
útil, em moldes de ser multiplicado ao comum. “Será um móbile sem dono...”,
disse Artedeitadaficadepé, “...a roda será um múltiplo comum utilizável como
uma praga por toda a eternidade humana”. Artedeitadaficadepé queria se mudar para
dentro de outras mudanças. O mundo era seu lugar, mas o seu aluno neandertal
estava ainda muito mocorongo e despreparado. “Umas titicas de coisa nanica que
logo que eu der um pouco de artesopinha para eles já pensarão que são os donos
de mim”. Vinha refletir nisto com uma prorrogação danada de suas obrigações de
professora de arteprimáriaprimaveril. Até planejava ficar para sempre nesses
descampados providos de cavernas onde os neandertais se recolhiam em dias de
nevascas. Isto era onde ela se deleitava, mas aconteceu do deus D de Design, o
senhor de tudo, ter outros planos para Artedeitadaficadepé.
- Vamos dar uma avançada nesses neandertais
para animar Artedeitadaficadepé...
D de Design consolou os desterrados. Logo
ensinou festa de cantoria em volta da fogueira, no estilo quermesse com churrasco
de mamute, isto um bom tempo antes do bicho-homem ser dotado de roda. Depois D
de Design inventou a fala para que eles contassem suas estórias quando se
reunissem para dormir dentro das cavernas. Depois desbarrancou pedras coloridas
que os neandertais acharam bonito de urinar em cima delas, mas não sabiam ainda
o que fazer com aquele grude. Então D de Design acordou Artedeitadaficadepé que
tanto se assustou com a própria inércia, com o que bocejou a invenção da roda, mas depois quis
dormir mais cinqüenta mil anos. Foi o deus D de Design quem agitou a pasmaceira
de Artedeitadaficadepé sobre a terra colorida urinada:
- Agora é com você, Artedeitadaficadepé, agora
é com você!
“A arte é viúva do instante que a gesta, o
qual se extingue em seguida”. Coisas desse naipe estava filosofando Artedeitadaficadepé
quando D de Design lhe revelou o progresso alcançado pelos neandertais em
produzir massa de urina com terras coloridas. Então Artedeitadaficadepé tomou
coragem e, enfim, levou-os a pensar em forma e conteúdo. A segunda lição foi
mostrar a beleza contida nos matizes e cores daquela terra urinada. A seguir,
por fim, revelou como espalhar o grude nas paredes de pedra das cavernas. Foi
assim que ela ensinou pintura para os neandertais.
- Ô, ô, ê, ê...
Depois disto Artedeitadaficadepé foi jogar
xadrez com D de Design, assim como o artista Marcel Duchamp jogaria xadrez com
sua modelo nua, milhares de anos depois. Ali, entre um lance e outro, eles
filosofavam:
- A arte estará sempre no primário da
latência... Disse D de Design.
- A arte é um pouco maniqueísta, pois só
admite vastidões no bem e no mal... Admitiu Artedeitadaficadepé.
- A arte do aqui agora toca flauta numa festa
de rouxinóis do passado... Afirmou D de Design enquanto propunha uma troca de
rainhas no jogo de xadrez.
- A arte estará sempre à beira de um
cheque-mate... Disse D de Design desferindo um cheque-mate em
Artedeitadaficadepé.
- A arte é apenas uma troca sem limites... Disse Artedeitadaficadepé, ao aceitar a troca das rainhas.
- A arte é apenas uma troca sem limites... Disse Artedeitadaficadepé, ao aceitar a troca das rainhas.
- A arte estará sempre à beira de um
cheque-mate... Disse D de Design desferindo um cheque-mate em
Artedeitadaficadepé.
Assim sendo, para o que viesse a seguir nesta
série de ensinar arte aos humanos, a Artedeitadaficadepé se transformaria em
Artetãtãdetambor, mas isto já é outra estória...
Beto Palaio
Foto: arte neandertal de quase 100 mil anos.
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