FAÇA-SE A ROSA!
Exageros literários e imaginação à
solta, já se vê. Entretanto houve mesmo a crença na qual se confiava que um bom
início de conto jamais deveria usar a palavra “exageros”. São crenças em que o
grafismo melhor convencia, para além das potentes circunvoluções do
significado. Em descrições assim coisificadas, o corpo do texto sempre pede por
uma sequência lógica. Com esta finalidade vislumbramos subitamente um novo propósito.
No correto da verdade. Com os poderes do sol incidindo na acetinada pele de uma
rosa. Aqui e ali. Uma preguiça enorme balbucia seus desaforos. Mas. Nem pense
que iremos sacrificar a flor em função da preguiça. A Natureza age igualmente
assim. Muitas vezes ela tentou superar a beleza indizível da rosa já instituída.
Tudo pela intenção de uma nova beldade que ela mesma criaria. A Natureza
acreditava que isto seria mesmo algo diferente de tudo que foi concebido antes,
embora a sua imensa preguiça sempre lhe estancasse o rumo. Neste aval. Tudo lhe
tolhia o correto proceder, até que a própria Natureza agiu e finalmente triunfou,
“eu vos fiz”, ela diz, “eu vos fiz”, a Natureza reafirmou, “eu vos fiz rosa
magnânima!”, finalmente consegue se explicar a Natureza. Ao mundo, o emaranhado,
o milagre da criação se deu. Eis que surgiu a rosa magnânima.
As rosas magnânimas são ardilosas por
ocultarem entre suas belas franjas algumas poções secretas. Dizem elas do
tamanho ideal do amor que gostariam de compartilhar com o mundo. Numa de suas
esquinas feitas de pétalas, um amante ocasional se esbarra com uma mulher
lindíssima. Foi a primeira vez que se viram. O pôr-do-sol era róseo como um
revoar de flamingos. Veio então surgindo através da água da baía um brilho de
inspiração em forma de desabafo. “Você é linda”, disse o moço, “sua beleza
alarga meu coração em uma amplidão inimaginável”, isso disse o rapaz para
início de conversa. A rosa, dona de todas as esquinas que possui, não se aguenta
de tanto rir, “assim o rapaz não conquista ninguém”, sussurrou de si para si a
rosa magnânima e trocou logo de lado, passando a induzir telepaticamente a moça
para que ela falasse algo que salvasse a situação, “eu digo”, principiou a
linda moça, “eu digo que o que você diz é bizarro, pois estou bem na sua frente
e gostei também um pouco de ti, mas nada entendo do que falou”. O rapaz fez
sinal de silêncio, se afastou um pouco e apanhou—sim!—uma pequena rosa de uma
floreira que estava, vejam vocês, bem ali num muro baldio. Isto a rosa
magnânima, a outra rosa maior, a rosa dona das esquinas de pétalas, gostou de
ver e tratou de colocar seu fenômeno natural de beleza a disposição daqueles
dois. “Eu digo agora”, o moço diz, “que se eu cair de joelhos por você, não
seria nada exagerado”. Então a moça entrou nessa conversa antiga de princípio
de namoro. E a rosa magnânima abraçou mais um casal para suas tramas de perpetuar
entre os humanos o tão festejado amor.
“Ou tenho de falar bem alto?”. Principiou a
outra estória sobre rosas. Nesta estória
a rosa não é mais nem magnânima, nem dona do universo. Pelo contrário. Esta
rosa é bem pobrezinha. Você—sim, você que nos lê—nem imagina a extensão da
pobreza desta rosa. O tostão que tivesse no bolso já o transformaria em
milionário perto da penúria dessa rosa. “Será que posso começar a contar a
minha estória?”. Disse a pobre rosa. Então principiou a contar a estória dela na
terceira pessoa. Mas não antes de um preâmbulo do narrador: “atentai leitor
para quando por acaso observar uma criatura luminosa atravessar a rua com os
braços cheios de pacotes de presentes”, disse o narrador, “nem imagina o quanto
essa criatura seria capaz praticar baixezas, só para tentar humilhar uma pobre rosa”.
Por todo lado, pano de fundo, teares abandonados, um cenário de praia em
Guadalcanal com alvoroço de Os Nus e os Mortos. Casualmente estamos em 1959. Acontece
que sopra no Verão a fatalidade em forma de tempo circunscrito. Aqui surge a
rosa, mas não aquela outra super-rosa magnânima criada pela Natureza, porém a
rosa no comum dela mesma, a qual argumentava com o Verão, aos moldes da formiga
que tenta perturbar o juízo da cigarra: “ah, o seu caminho é sempre claro,
Verão, no entanto, eu fico aqui de pétalas novas me oferecendo ao mundo,
enquanto você me brilha e me brilha e me brilha”. Pode ser que assim seja de
fato, já interferindo, grafou o narrador, que definitivamente o Verão tenha um entendimento
diverso da rosa, pois ele em geral, o Verão, nunca sabe o que está procurando,
apenas ilumina, esquenta e passa. Mas a pobre rosa nem estava de fato muito preocupada
em entender o Verão. Ela vivia sua existência de rosa, e pronto! Então, assim como
um rio não tem outra escolha senão fluir, o tempo de estio, que começa num
lago, longe dali, nas montanhas do vir-a-ser, principiou a entrar em luta
mortal na troca das Estações. Eis o irrefreável embate do Inverno contra o
Verão, embora, pudesse também ele desaparecer na luta seguinte contra a
Primavera, agora o Inverno sabe que a vitória pertence a ele, assim é que se
confirma, no empurra-empurra do dia após dia, vai um dia, vai outro dia, ele
Inverno dá uma chance final ao Verão, estuda-o numa curva deserta, observa-o
por detrás de uma banca de revistas, segue-o até uma sorveteria. Acontece que o
Inverno tarda, mas nunca falha. Por fim, arre, veio o tempo frio fundir-se de
corpo e alma com o vento gelado e o gelo das manhãs sem sol. Com isto. Aconteceu
o pior para a pobre rosa. Ah, a pobre rosa!
Beto Palaio
Conto escrito como homenagem ao post criado por Mirza Sanchez no Facebook para compartilhamento do conto Ah, o Amor... Sempre o Amor!, matéria anterior deste Litteratour. Para esta nossa querida colega dedicamos a postagem de hoje
(inclusive a ilustração acima foi utilizada por Mirza Sanchez para o
compartilhamento deste citado conto do Litteratour).
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