TENTAÇÕES EM TORNO DO
ESQUIFE
Há instintos abafados que mesmo assim
sobrevivem. No passado o cavalo era a extensão de uma pessoa. Pelo simples fato
de que, ninguém, em hipótese alguma, entenderia isso de outra forma. Há
motivos para a excitação. Ódio, mesmice, sala vazia, todos os vasos de plantas,
em abandono, estão secas. Cheguei de viagem hoje, mas não te
encontrei em casa. Eletrizo-me de virar bicho. Ando daqui para ali sem
entender. Nunca pedi para ela morar comigo. Dois destinos patéticos que se
confirmaram único. Ao longo de meu peregrinar. Essa moça tinha manias na hora
do cio. Mas amanheceu. Com isto eu penso que não tenho o mesmo destino vegetal
de secar lentamente dentro dessa sala vazia. Era-me. Agora. Fui-te. Nunca tive
ninguém fixo até encontrar você. A sensualidade por vezes é-me inoportuna.
Podemos tentar fazer o que quiser com ela. Mas somente a sensualidade sabe o
que fazer contigo. Há diversos métodos de autofagia. Um puxão que senti quando
o pára-quedas abriu. Mas o assunto, por enquanto, nem era este, não ainda. Estava
cansado de esperar que o problema se resolvesse sozinho. Chamamos pelo
encanador. O sifão da pia estava entupido. Me culpei me confiei me resolvi me
alforriei me esquivei me absolvi. Por precariedade adiei o fato desse primeiro
compromisso do lixo caseiro haver locupletado irremediavelmente o cano da pia. Este
assunto quase põe tudo a perder. Foi por pouco. Deixa eu te colocar a par. O
pára-quedas me arrastou de volta para o alto. Estava falando do momento em que
saltei para o meio do inferno. Durante a guerra nada fazia sentido. Lutei
contra vietcongs que se pareciam fisicamente comigo. Espelho a espelho. Seus
últimos suspiros. Suas súplicas ao chamarem pela mãe. Tudo pelo motivo de que. Por
falta da posse de suásticas, confirmação do emblema inimigo, nunca se chegou a
admitir que talvez mentíssemos. Botões de osso. Pobres botões. Nunca me livrei
desses meus espelhos humanos. Quatro pessoas e dois homens que eu eliminei
nesta guerra. Os homens se identificaram. Tomaram cerveja com o pelotão em
Saigon. Uma vez colocaram uma moeda no fliperama. O som de sininhos repenicado constantemente.
Cometi o mesmo erro. Depois de certo tempo cada um é responsável pelo seu
próprio sovaco esquerdo e adjacências. Falo do coração. Nada faz sentido se não
detalhamos o que temos para oferta imediata aos gritos de não fui eu, não fiz
nada, sou apenas um soldado, sou igual a você, veja—então a primeira pessoa a
ser morta abriu o uniforme para mostrar onde ficava seu coração—todos naquele
pequeno comando terrestre confundimos tudo. O poeta vietnamita apenas quis
mostrar o coração em que guardava todo seu sentimento. Até o final do dia
matamos três poetas. Mas um deles não foi considerado como pessoa. Esse
arrenegado. Até o remate do mal. Comprou uma briga no bar onde ouvíamos Let It
Be. Deixa estar. Quando tudo estiver perdido. Deixa estar. Quando todos
fecharem a boca. Deixa estar. Quando dedicarem para você o noticiário das sete.
Deixa estar. Sim, sim, sim. No passe livre de sábado à noite para quem era dono
da munição. Dia de folga. Fomos passar a noite no bordel. Segue-se que o bicho
é mais criatura que o homem. Fique de boca fechada. Quando todos querem que você
fique de boca fechada, então fique de boca fechada. Ouvimos a discoteca inteira
sem emitir uma só palavra. Uma das putinhas mordeu o mastruço de um dos
recrutas. Dedicamos aos que seguem as regras o que se seguiu. Um grito alcançou
a manhã de 11 de setembro de 1970. Trinta anos antes da revolta dos renegados
árabes, os que detonaram as torres. Deixe-me esclarecer alguns fatos. Uma figa,
uma osga que estava tudo indo bem. Solitários são os gritos de quem morre numa
revanche amigável. Mas isto aqui são somente letras para um livro que jamais
será editado. Lendas. Guinchos de ferro com ferro. Que bela assassina tu és,
vida! Caos de novo. Uma pequena catástrofe é a morte de cada um. Um fundo de
mar revolto, o convite é irrecusável. No mole do inatingível. Eis os pés que se
debatem, depois, água até o pescoço, a seguir não alcançamos mais a areia,
então flutuamos numa correnteza mais forte, sem chance de retorno, o puxão é
forte, como quando estamos num pára-quedas, mas agora o puxão te joga para
águas profundas. Nesta ocasião. Você consegue. Você consegue dizer que está
tudo bem. Você consegue dizer que está tudo bem quando tudo. Você consegue
dizer que está tudo bem quando tudo está desmoronando. Você consegue dizer que
está tudo bem quando tudo está desmoronando só para acalmar as pessoas?
Beto Palaio
Imagem: Desenho de Ataa Oko
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