junho 20, 2014

Foto: AH, O AMOR... SEMPRE O AMOR !!!

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Textos de Beto Palaio

FAÇA-SE A ROSA!

Exageros literários e imaginação à solta, já se vê. Entretanto houve mesmo a crença na qual se confiava que um bom início de conto jamais deveria usar a palavra “exageros”. São crenças em que o grafismo melhor convencia, para além das potentes circunvoluções do significado. Em descrições assim coisificadas, o corpo do texto sempre pede por uma sequência lógica. Com esta finalidade vislumbramos subitamente um novo propósito. No correto da verdade. Com os poderes do sol incidindo na acetinada pele de uma rosa. Aqui e ali. Uma preguiça enorme balbucia seus desaforos. Mas. Nem pense que iremos sacrificar a flor em função da preguiça. A Natureza age igualmente assim. Muitas vezes ela tentou superar a beleza indizível da rosa já instituída. Tudo pela intenção de uma nova beldade que ela mesma criaria. A Natureza acreditava que isto seria mesmo algo diferente de tudo que foi concebido antes, embora a sua imensa preguiça sempre lhe estancasse o rumo. Neste aval. Tudo lhe tolhia o correto proceder, até que a própria Natureza agiu e finalmente triunfou, “eu vos fiz”, ela diz, “eu vos fiz”, a Natureza reafirmou, “eu vos fiz rosa magnânima!”, finalmente consegue se explicar a Natureza. Ao mundo, o emaranhado, o milagre da criação se deu. Eis que surgiu a rosa magnânima.

As rosas magnânimas são ardilosas por ocultarem entre suas belas franjas algumas poções secretas. Dizem elas do tamanho ideal do amor que gostariam de compartilhar com o mundo. Numa de suas esquinas feitas de pétalas, um amante ocasional se esbarra com uma mulher lindíssima. Foi a primeira vez que se viram. O pôr-do-sol era róseo como um revoar de flamingos. Veio então surgindo através da água da baía um brilho de inspiração em forma de desabafo. “Você é linda”, disse o moço, “sua beleza alarga meu coração em uma amplidão inimaginável”, isso disse o rapaz para início de conversa. A rosa, dona de todas as esquinas que possui, não se aguenta de tanto rir, “assim o rapaz não conquista ninguém”, sussurrou de si para si a rosa magnânima e trocou logo de lado, passando a induzir telepaticamente a moça para que ela falasse algo que salvasse a situação, “eu digo”, principiou a linda moça, “eu digo que o que você diz é bizarro, pois estou bem na sua frente e gostei também um pouco de ti, mas nada entendo do que falou”. O rapaz fez sinal de silêncio, se afastou um pouco e apanhou—sim!—uma pequena rosa de uma floreira que estava, vejam vocês, bem ali num muro baldio. Isto a rosa magnânima, a outra rosa maior, a rosa dona das esquinas de pétalas, gostou de ver e tratou de colocar seu fenômeno natural de beleza a disposição daqueles dois. “Eu digo agora”, o moço diz, “que se eu cair de joelhos por você, não seria nada exagerado”. Então a moça entrou nessa conversa antiga de princípio de namoro. E a rosa magnânima abraçou mais um casal para suas tramas de perpetuar entre os humanos o tão festejado amor.

“Ou tenho de falar bem alto?”. Principiou a outra estória sobre rosas.  Nesta estória a rosa não é mais nem magnânima, nem dona do universo. Pelo contrário. Esta rosa é bem pobrezinha. Você—sim, você que nos lê—nem imagina a extensão da pobreza desta rosa. O tostão que tivesse no bolso já o transformaria em milionário perto da penúria dessa rosa. “Será que posso começar a contar a minha estória?”. Disse a pobre rosa. Então principiou a contar a estória dela na terceira pessoa. Mas não antes de um preâmbulo do narrador: “atentai leitor para quando por acaso observar uma criatura luminosa atravessar a rua com os braços cheios de pacotes de presentes”, disse o narrador, “nem imagina o quanto essa criatura seria capaz praticar baixezas, só para tentar humilhar uma pobre rosa”. Por todo lado, pano de fundo, teares abandonados, um cenário de praia em Guadalcanal com alvoroço de Os Nus e os Mortos. Casualmente estamos em 1959. Acontece que sopra no Verão a fatalidade em forma de tempo circunscrito. Aqui surge a rosa, mas não aquela outra super-rosa magnânima criada pela Natureza, porém a rosa no comum dela mesma, a qual argumentava com o Verão, aos moldes da formiga que tenta perturbar o juízo da cigarra: “ah, o seu caminho é sempre claro, Verão, no entanto, eu fico aqui de pétalas novas me oferecendo ao mundo, enquanto você me brilha e me brilha e me brilha”. Pode ser que assim seja de fato, já interferindo, grafou o narrador, que definitivamente o Verão tenha um entendimento diverso da rosa, pois ele em geral, o Verão, nunca sabe o que está procurando, apenas ilumina, esquenta e passa. Mas a pobre rosa nem estava de fato muito preocupada em entender o Verão. Ela vivia sua existência de rosa, e pronto! Então, assim como um rio não tem outra escolha senão fluir, o tempo de estio, que começa num lago, longe dali, nas montanhas do vir-a-ser, principiou a entrar em luta mortal na troca das Estações. Eis o irrefreável embate do Inverno contra o Verão, embora, pudesse também ele desaparecer na luta seguinte contra a Primavera, agora o Inverno sabe que a vitória pertence a ele, assim é que se confirma, no empurra-empurra do dia após dia, vai um dia, vai outro dia, ele Inverno dá uma chance final ao Verão, estuda-o numa curva deserta, observa-o por detrás de uma banca de revistas, segue-o até uma sorveteria. Acontece que o Inverno tarda, mas nunca falha. Por fim, arre, veio o tempo frio fundir-se de corpo e alma com o vento gelado e o gelo das manhãs sem sol. Com isto. Aconteceu o pior para a pobre rosa. Ah, a pobre rosa!


Beto Palaio


Conto escrito como homenagem ao post criado por Mirza Sanchez no Facebook  para compartilhamento do conto Ah, o Amor... Sempre o Amor!, matéria anterior deste Litteratour. Para esta nossa querida colega dedicamos a postagem de hoje (inclusive a ilustração acima foi utilizada por Mirza Sanchez para o compartilhamento deste citado conto do Litteratour).

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